Busca no site da UFMG




Nº 1346 - Ano 28 - 25.04.2002

/ Gabriel Cohn

O desafio de pensar um mundo digno

 


averia um modo brasileiro de pensar o mundo? Gabriel Cohn, professor titular do departamento de Política da Universidade de São Paulo (USP), acredita na existência de aspectos que são específicos de nossa sociedade. Nesse estilo, Cohn identifica pontos negativos - como as condutas predatórias que sempre se escondem sob uma justificativa, um álibi - mas também saídas para a sociedade moderna. Segundo ele, o questionamento e a ação voluntária, ao contrário da ação meramente reativa, são caminhos possíveis. "Nossa tarefa é pensar um mundo digno de ser vivido", afirma o pensador, que trabalha com teoria social, baseado sobretudo na obra de Max Weber e nas reflexões da Escola de Frankfurt.

Na conferência Desafios do republicanismo no Brasil contemporâneo, no segundo dia do seminário Desafios do republicanismo e a modernidade, Cohn criticou alguns aspectos da cultura política brasileira, como a capacidade de universalizar o sofrimento, refletida na frase "os inocentes pagam pelos pecadores". Condenou também a compulsão de começar pelo fim, como se vê, por exemplo, na instalação de equipamentos de controle de velocidade em vias públicas, para multar os motoristas, sem uma anterior campanha de educação no trânsito.

Após a conferência, na quinta-feira passada, o pesquisador concedeu entrevista ao BOLETIM. Ao analisar as perspectivas de vitória da esquerda na próxima eleição presidencial, ele disse temer que um governo do Partido dos Trabalhadores (PT) acabe criando "expectativas exageradas". Um hipotético primeiro mandato de Lula seria um período de preparação, de desbastamento. "Temo que se exija demais dele e do PT. Em vez de trazer avanços, essa situação poderia significar um retrocesso político", argumenta.

BOLETIM - De que modo um seminário como este pode ajudar a pensar o Brasil?

Gabriel Cohn - Ele é extremamente oportuno porque levanta grandes questões que o Brasil terá que enfrentar proximamente. Este seminário reforça um trabalho desenvolvido por um grupo de estudos que vêm gerando resultados excelentes, inclusive publicações. Tenho certeza de que ele está abrindo espaços e abordando problemas que nos permitirão aumentar nossa compreensão sobre o Brasil. Trata-se de uma das mais interessantes iniciativas em curso na universidade brasileira.

B - E por falar em compreender o Brasil contemporâneo, gostaria que o senhor analisasse o quadro eleitoral. Mais uma vez, a esquerda parece ter chances de eleger o Presidente da República. O senhor acredita que ela está suficientemente fortalecida para resistir aos embates da campanha, inclusive de um segundo turno?

Gabriel Cohn - Minha posição é estritamente pessoal. Acho que a esquerda, especialmente a representada pelo PT, tem um papel extremamente importante na nossa vida política. Mas eu não sei em que medida ela já esteja inteiramente equipada para fazer frente aos desafios não só de uma campanha, mas os desafios de governo nas condições atuais, sobretudo considerando que, em termos de governo federal, tudo está amarrado. Para governar, o partido precisa de programas amadurecidos, de bases sociais e, finalmente, de quadros. Talvez não haja condições para suprir tudo isso de uma só vez. Considero que há chances - embora nem tão grandes assim - de que Lula seja eleito. E acho que seria perigoso, do ponto de vista político, depositar esperanças exageradas num hipotético primeiro mandato do Lula. Seria um período de preparação, de desbastamento, e eu tenho um medo de que se exija demais dele e do PT. Em vez de trazer avanços, essa situação poderia significar um retrocesso político. Isso porque muitos eleitores vão exigir demais, sobretudo o eleitorado flutuante - aquele que costuma decidir eleições. Qualquer anseio não correspondido rapidamente provocará um refluxo.

B - Essa expectativa exagerada não nos remeteria ao recente golpe na Venezuela? Haveria a possibilidade de uma nova onda golpista na América Latina, incluindo o Brasil?

Gabriel Cohn - Não vejo que haja espaço para isso, mas não sei analisar agora se uma eventual vitória da esquerda no Brasil produziria um anteparo ou aumentaria o apetite dos golpistas na América Latina. O caso do Chavez, na Venezuela, foi uma tentativa de repetir um esquema já provado em várias ocasiões, mas incrivelmente mal executada. Não saberia discorrer sobre um risco real de um golpe no Brasil, mas acredito que seja pequeno.

 

Seminário teve caráter transdisciplinar

O seminário Desafios do republicanismo e a modernidade reuniu, de 17 a 19 deste mês, no auditório Sônia Viegas, no campus Pampulha, alguns dos mais importantes pensadores brasileiros. As discussões, de caráter transdisciplinar, envolveram temas como a construção do espaço público e da cidadania, a defesa do bem-comum, os impactos da mídia no mundo contemporâneo, a participação política e a importância dos valores éticos na atividade pública.

O encontro foi promovido pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (IEAT) e seu Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Republicanismo, que é formado por pesquisadores da UFMG, USP, Iuperj, UFRJ e PUC do Rio. O evento também homenageou o sociólogo Francisco Oliveira, da USP, pelos 30 anos da publicação do livro A crítica da razão dualista.