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Nº 1360 - Ano 28 - 01.08.2002

 

 

Plataforma Lattes e a ética*

Robson Mendes Matos**

om certeza devemos celebrar a façanha alcançada pela Ciência e
Tecnologia no Brasil ao atingir a marca de 200 mil currículos na Plataforma Lattes, conforme noticiado pelo JC e-mail de 5 de julho último. A Plataforma Lattes representa grandes avanços para a C&T brasileira, que foram bem detalhados no artigo de Sibyla Goulart (edição 485 do Jornal da Ciência).

O fim do formulário Banco de Currículos do CNPq também pode ser visto como outra vantagem propiciada pelo advento da Plataforma Lattes. Quem não se lembra do Banco de Currículos, que tinha que ser preenchido sempre que fosse necessário fazer novo pedido ao CNPq? Hoje, as atualizações dos currículos são mais fáceis, rápidas e podem ser feitas a qualquer momento, sem que os professores sejam obrigados a deixar seus gabinetes.

Será então que não existem desvantagens na utilização da Plataforma Lattes? Aqueles que têm aversão a computadores dirão que não existem vantagens, enquanto os amantes dos avanços "internáuticos" argumentarão que só existem vantagens. Entretanto, é necessário cautela na análise deste aspecto.

Os avanços da informática e, principalmente, da Internet acontecem a passos largos e são, via de regra, uma ferramenta importante na difusão de idéias, conhecimento e estatísticas. O Brasil, graças aos investimentos do passado, tornou-se um dos países mais avançados no uso da Internet. Enquanto enviamos, já há vários anos, nossas declarações de imposto de renda pela rede, os Estados Unidos ainda estão engatinhando nesta área.

A criação da Plataforma Lattes é outro exemplo deste avanço, uma vez que o Brasil já começa a exportar tal tecnologia para o primeiro mundo. Por isso, perguntarmos: Quão confiáveis são as declarações prestadas nos currículos depositados no sistema Lattes? E esta pergunta torna-se ainda mais importante a partir do momento em que tomamos conhecimento de que o número de consultas aos currículos tem aumentado progressivamente. Sabe-se ainda que o uso da Plataforma Lattes por profissionais fora da comunidade científica vem crescendo. Partindo do pressuposto de que podem existir fraudes nos currículos Lattes, precisamos pensar nas suas causas e buscar ações que as evitem. Afinal, é a credibilidade da comunidade científica brasileira que está em jogo.

Temos assistido, ano após ano, a uma sensível redução nas verbas alocadas para a pesquisa no Brasil e a um crescimento do número de pesquisadores qualificados. Com isto, a concorrência pelos recursos financeiros para a nossa pesquisa tem aumentado. Ao mesmo tempo, é imprescindível que tenhamos boa produção técnico-científica para recebermos financiamento. E assim inicia-se um ciclo pernicioso: sem produção não há financiamento; sem financiamento não há produção.

Este ciclo pode ser quebrado com facilidade se adicionarmos uma pitada de falta de ética e de escrúpulos. Este pesquisador pode criar uma produção fantasma em seu currículo e aumentar suas chances na concorrência pelas verbas de pesquisa. Desnecessário dizer que este tipo de fraude pode passar despercebido por anos a fio. Assim, não haverá punição e o pesquisador desleal será privilegiado e incentivado a continuar cometendo fraudes.

Através de denúncias bem documentadas, o CNPq já tomou conhecimento de alguns destes casos e tomou providên-cias corretas, mas insuficientes. Em geral, o CNPq apura a denúncia e, comprovada a fraude, determina ao pesquisador que faça a correção do currículo. Normalmente, as correções são efetuadas dentro do prazo estipulado e o caso é encerrado. Mas sem punição não se coíbe este tipo de ação.

Apesar de serem poucos os casos conhecidos, a fraude não deixa de ser preocupante. Acredito ser necessária uma ação rápida e eficaz para evitar que o mal se espalhe e a Plataforma Lattes se transforme em um grande escândalo. Não há como defender a volta aos tempos do Banco de Currículos, feitos em papel e que tinham que ser comprovados na maioria das vezes, mas é necessário buscar meios de identificar e punir os fraudadores. Uma discussão séria e aberta pode levar à criação de mecanismos que impeçam a fraude e, caso ela aconteça, à punição de seus autores.

A responsabilidade legal das informações contidas no Currículo Lattes é do próprio pesquisador, o que não difere de outros currículos. Mas a quem cabe a ação de interpelar judicialmente um pesquisador que frauda o Lattes? Não é preciso dizer que fraudes na Plataforma Lattes afetarão toda a comunidade científica, seja pela perda da confiabilidade nos dados, seja pela competição desleal pelo financiamento à pesquisa. Cabe ao CNPq, enquanto guardião da Plataforma, obrigar o infrator a proceder à imediata correção do Lattes, puni-lo administrativamente e, caso necessário, recorrer à Justiça.

Algumas sugestões de possíveis medidas administrativas: indisponibilizar para o público o currículo Lattes do pesquisador; comunicar a falta cometida pelo pesquisador aos órgãos que utilizam o sistema Lattes; suspender os auxílios para pesquisa já aprovados; e impedi-lo de solicitar novos auxílios. Desta forma, podemos pensar em uma notícia para uma edição futura do Jornal da Ciência: "Graças à Plataforma Lattes, o Brasil conhece com precisão e confiabilidade as atividades realizadas em C&T, tanto individual quanto coletivamente." Além disso, estaremos certos de que qualquer pesquisa de opinião continuará apontando a classe científica como a mais confiável da sociedade brasileira.


* Artigo publicado no JC e-mail, de 19/07/2002
** Professor do departamento de Química do ICEx e secretário adjunto da SBPC/MG