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Nº 1375 - Ano 29 - 21.11.2002


O hispanista do Brasil

Carla Maia

(...)

Ó José Carlos, irmão-em-Escorpião!
Nós o conseguimos...
E sorrimos
de uma vitória comprada por que preço?
Quem jamais o saberá?

À sombra dos setenta anos, dois mineiros
em silêncio se abraçam, conferindo
A estranha felicidade da velhice
"

Carlos Drummond de Andrade, em Fazer 70 Anos

 

 

 

 

 

 

 

á 30 anos, Drummond homenageava seu amigo José Carlos Lisboa com o poema acima. Hoje, a sombra que cobre os dois ilustres mineiros não é a dos 70, mas a dos 100 anos. E se fazer 70 anos, como disse o poeta, "é fazer catálogo de esquecimentos e ruínas", completar um centenário é ocasião para homenagens. Sobre Drummond muito já foi dito, mas ainda há muito a saber e contar sobre José Carlos Lisboa, que certamente merece ser lembrado por sua extensa obra como professor, escritor, radialista, tradutor e literato.

José Carlos Lisboa, filho de João de Almeida Lisboa e de Maria Rita de Vilhena Lisboa, irmão de Henriqueta Lisboa e Alaíde Lisboa, nasceu em Lambari, no dia 4 de novembro de 1902. fessor, poeta e crítico Joaquim Entrambasaguas, da Universidade de Madri, como "o maior hispanista do Brasil".

Formado em Farmácia, bacharel e doutor em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, José Carlos Lisboa participou, no final da década de 30, da fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade de Minas Gerais (UMG), que daria origem à UFMG. Ocupou a cátedra de Língua e Literatura Espanhola da Faculdade a partir da década de 40.

Dez anos depois, tornou-se catedrático e doutor em Língua e Literatura Espanhola também pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Foi diretor adjunto do curso de Jornalismo desta faculdade e, em 1967, participou da criação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual foi o primeiro diretor. Na UFRJ, lecionou também nos cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras.

Dedicação

"Ele foi acima de tudo um professor e pesquisador", resume sua sobrinha, Abigail Lisboa, professora aposentada do departamento de Ciências Administrativas da UFMG. Segundo ela, o professor Lisboa era rigoroso, mas muito querido pelos alunos. "Eles sentiam o peso de sua influência, de sua dedicação ao ofício de ensinar e de sua preocupação efetiva de imprimir uma nova visão de mundo", afirma.

O acervo bibliográfico de José Carlos, herança deixada a seu único filho, José Carlos Lisboa Júnior, conta com mais de oito mil volumes. Entre eles, as obras completas de Cervantes e Federico Garcia Lorca, além de algumas raridades literárias, como o manuscrito do célebre poema A mesa, de Carlos Drummond de Andrade. "Todo seu acervo sempre esteve disponível a seus alunos, que ele recebia em casa", ressalta outra sobrinha, Maria Lisboa, irmã de Abigail, e também professora da UFMG, vinculada à Faculdade de Educação. "Ao ensinar, ele despertava a sensibilidade de seus alunos", destaca.


Lisboa também mergulhou na literatura - escreveu romances, poesias, ensaios, peças de teatro - e teve destacada atuação cultural, especialmente no final da década de 30, quando foi chefe de gabinete do então prefeito de Belo Horizonte, José Oswaldo de Araújo. Apresentou três programas na Rádio Inconfidência: A vida e a obra dos grandes mestres, Rádio-Teatro e Cortina da Semana. Escreveu as peças A Província e O Rei do Câmbio. Graças ao bom trânsito com professores da Espanha, trouxe ao Brasil ilustres mestres universitários para encontros e conferências. Recebeu o título de professor emérito da UFMG e da UFRJ. José Carlos Lisboa morreu em Belo Horizonte, em 1994. Nesta quinta-feira, dia 21, a Academia Mineira de Letras, da qual era membro, vai celebrar seu centenário.