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Nº 1379 - Ano 29 - 19.12.2002


Fábrica ao aconchego do lar

Livro de professor da UFMG lança novo olhar sobre a formação da sociedade industrial brasileira

Maurício Guilherme Silva Júnior

mão-de-obra imigrante e o capital acumulado com a importação e exportação de produtos foram os fatores que impulsionaram a industrialização na região Centro-Sul do Brasil. Essa "regra", no entanto, não é válida para explicar o processo de industrialização em outras partes do território brasileiro.

Lançado recentemente pela Editora Universidade de Brasília, o livro Fábrica: convento e disciplina, do professor aposentado Domingos Giroletti, do departamento de Ciência Política da Fafich, discute um novo paradigma para compreender a "revolução" industrial em outras regiões brasileiras. Diferentemente do Centro-Sul, em áreas como o norte de Minas Gerais, o Norte e o Nordeste do país, a modernização ocorreu a partir de capitais acumulados no mercado interno, em atividades como agricultura e comércio. Além disso, não havia trabalhadores estrangeiros. "Nessas regiões, os industriais recorreram à mão-de-obra nacional, formada por escravos, ex-escravos e trabalhadores rurais", explica o autor.


Modernização

A modernização nessas regiões foi estudada por Giroletti a partir da experiência de fábricas mineiras de tecido, que começaram a funcionar no final do século XIX. Além de pesquisa bibliográfica e entrevistas com ex-operários, o autor analisou cerca de 28 mil documentos expedidos e recebidos pelas companhias, encontrados no Museu Industrial Décio Mascarenhas, em Caetanópolis (MG). Trata-se de cartas manuscritas, de natureza comercial e pessoal, enviadas pela gerência a fornecedores, tropeiros, políticos e padres. Nas fábricas Cedro, Cachoeira, São Sebastião e São Vicente, todas da família Mascarenhas, o professor investigou três noções de esratégia empresarial para a instalação do regime industrial.

O estudo de Giroletti buscou compreender como se deu o processo de formação técnica dos trabalhadores industriais, as estratégias disciplinares dos empresários e os valores de mundo surgidos a partir de então. Em Minas Gerais, as primeiras empresas produziam tecidos de baixa qualidade, geralmente utilizados como sacos para estocagem de mantimentos. Com o passar dos anos, as companhias começam a fabricar tecidos mais finos. Numa região tradicionalmente marcada pelas atividades rurais, foi preciso que se recrutassem profissionais estrangeiros para transmitir conhecimentos técnicos à mão-de-obra local. Homens de famílias mineiras tradicionais foram treinados para os cargos de chefia. Escravos, ex-escravos e trabalhadores rurais compunham o operariado.


Disciplina

Para assegurar a disciplina entre os trabalhadores dentro e fora das fábricas, os empresários investiram em regulamentos rígidos e detalhados. As vilas de empregados localizavam-se, em sua maioria, nas imediações das companhias de tecidos. Nelas havia toque de recolher - normalmente às 21 horas - e leis que regulavam até a conduta moral das pessoas. "Os operários trabalhavam das 6 às 18 horas. E o controle sobre a força de trabalho se estendia à casa de cada um. Havia um forte código de posturas urbanas", afirma o professor.

Uma das mais interessantes curiosidades sobre os operários aparece no título da obra de Giroletti. Durante o boom industrial em Minas Gerais, as mulheres representavam cerca de 60% da mão-de-obra. Boaparte delas vivia nos chamados "conventos", a que se refere a obra. Eles, no entanto, não abrigavam freiras. Eram moradia de operárias, em geral moças solteiras, órfãs e viúvas, que, por estratégia do empresariado, viviam sob a aura de instituição religiosa.

Os mecanismos de controle do trabalho e da moral dos operários geraram novos valores numa sociedade que se urbanizava. As empresas tentaram fazer com que o estilo rude do homem do campo desse lugar a modos menos violentos de lidar com o outro. Foi estabelecido o ideal de relações monogâmicas e estáveis, numa tentativa de criação de novas bases para a sexualidade.

Livro: Fábrica: convento e disciplina
Autor: Domingos Giroletti
Editora: Editora Universidade de Brasília
Preço: R$ 44