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Nº 1397 - Ano 29 - 22.05.2003

 

 

A formação do professor

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben*

 

novo governo tem apresentado a situação educacional brasileira
como uma "tragédia nacional". Manchetes apontando índices de alunos que não lêem adequadamente ou que não sabem matemática, por exemplo, alarmam a sociedade. Assim, a formação do professor entra como primeiro ponto de pauta na agenda do governo. E diz o ministro Cristovam Buarque: "Para que tenhamos uma educação de qualidade, será preciso mudar três imagens que integram uma única: a formação, a remuneração e a dedicação - a cabeça, o bolso e o coração - do professor".

A história se repete, e, no contexto dos anos 30, a questão era assim expressa por Francisco Campos: "O ensino no Brasil é um ensino sem professores, isto é, em que os professores se criam a si mesmos, e toda a nossa cultura é puramente autodidata. Faltam-lhes largos e profundos quadros tradicionais de cultura, nos quais se processam continuamente a rotação e a renovação dos valores didáticos" (Diário Oficial, 15 de abril de 1931).

Em linhas gerais, é possível dizer que muitos manifestam-se insatisfeitos em relação à formação do professor ou à maneira como ela se desenvolve, mas existe unanimidade no que se refere à magnitude do problema. Após os anos 60, a história da educação brasileira tem demonstrado um crescente declínio na qualidade de atendimento à educação básica, especialmente na rede pública, e o conseqüente processo de desvalorização da carreira docente, com salários aviltantes e a ausência de estímulos ao investimento pessoal na qualificação profissional.

É interessante observar, no entanto, que esses professores, hoje qualificados como mal-formados e despreparados para a profissão, são aqueles que, durante mais de 30 anos, suportam as políticas educacionais implementadas no Brasil desde os anos 70, com a lei 5.692/71 e, a duras penas, permanecem solitariamente nas escolas tentando levar adiante as propostas dos movi mentos sociais pelo acesso e democratização da educação e da escola pública. Lembramos que a referida lei, ao integrar as séries iniciais do ensino fundamental às quatro seguintes, avançava no processo de ampliação do acesso à educação fundamental, permitindo que muitas crianças e jovens, que antes não tinham sequer expectativas de escolarização, permanecessem na escola por oito anos. Estava dado o primeiro passo, mesmo num contexto autoritário como o da época.

Entretanto, é interessante salientar a situação dos professores naquele contexto: um novo perfil de aluno ingressava na escola. Perfil desconhecido porque proveniente da camada popular, que antes não aspirava àquele espaço. Assim, o professor, formado a partir de um projeto totalmente diferente de educação e ensino, viu-se diante de outra realidade sociocultural, ficando, por vezes, completamente atordoado, já que sua formação partia de um aluno idealizado. Para completar, um projeto de depressão salarial acabou desencadeado. Afinal, alguém deveria pagar a conta da expansão de vagas. O professor foi o escolhido!

Fala-se muito no resgate das dívidas sociais neste momento histórico, e recolocamos no cenário a formação do professor como uma dessas ações. Acredita-se que exista, no momento atual, disposição ao enfrentamento do problema, e diferentes forças contribuem para isso, como a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96 e as diretrizes nacionais para a formação do professor. Assim, a Faculdade de Educação, pela sua própria natureza acadêmica, tem procurado refletir, num movimento permanente, sobre diferentes propostas capazes de enfrentar a realidade. Acredita-se que a reformulação dos cursos de licenciatura no âmbito da Universidade exija um esforço de integração das diversas unidades responsáveis pela formação docente. Um dos maiores problemas dos cursos localiza-se na fragilidade da relação existente entre os blocos curriculares de conteúdos específicos e o de conteúdos pedagógicos. Problema histórico, caracterizado pela ausência de diálogo entre a produção acadêmica das áreas específicas e a produção acadêmica sobre pedagogia, desenvolvidas nas faculdades e centros de educação. Esse problema justifica a posição do Conselho Nacional de Educação (CNE) de abolir incondicionalmente o modelo 3 + 1, que parte do pressuposto de que, se alguém sabe um conteúdo específico e detém algumas informações sobre didática, está automaticamente formado para ser professor e atuar na escola. Essa perspectiva, além de equivocada, retrata a ausência de diálogos entre os diferentes campos do saber, favorecendo a fragmentação na organização dos cursos, impedindo que o futuro docente tenha uma preparação teórica consistente com as exigências da realização prática de sua profissão. Ao mesmo tempo, explicita uma formação desvinculada da dimensão crítica da realidade educacional.

Um novo projeto de formação de professores deveria partir da noção de docência como exercício profissional na escola contemporânea e não num quadro abstrato de relações individualizadas de ensino e aprendizagem. Isso exige a consideração de que um professor é, antes de tudo, um educador comprometido com o desenvolvimento humano e com as questões políticas e sociais de seu tempo, que reconhece a riqueza e a diversidade cultural de nossa sociedade e enxerga os seus alunos como parte dessa diversidade. Ao mesmo tempo, os cursos de licenciatura, constituindo-se numa etapa de formação profissional, não podem perder o vínculo ensino-pesquisa como eixos do necessário processo de formação continuada do professor.

* Diretora da Faculdade de Educação (FaE)