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Nº 1401 - Ano 29 - 19.06.2003


A voz dos anônimos

Programa da Fafich resgata fatos históricos a partir da
multiplicidade de interpretações
Ana Rita Araújo

oites de calor em Belo Horizonte, em pleno mês de junho, eram impensáveis no início do século, quando o jardineiro Valentim Ferreira Diniz, ainda jovem, trabalhava na Prefeitura da recém-criada capital. "O frio aqui começava em abril. No mês de maio já era mais acentuado. Todo mundo tinha que usar agasalho, capote, pulôver e tudo mais. Em junho já geava, as verduras lá de casa ficavam revestidas de orvalho. Depois de agosto, vinha esquentando um pouco o tempo. Setembro já era um princípio de calor", conta.

Mais do que uma vida em particular, os relatos de Valentim, colhidos pelo Programa de História Oral, do Centro de Estudos Mineiros (Cem/Fafich), descortinam uma Belo Horizonte com praças arborizadas, piqueniques familiares no Parque Municipal e as festas de cavalhada. Os depoimentos trazem também impressões do jardineiro sobre acontecimentos políticos, como a Revolução de 1930, e a repercussão da construção de Brasília.

Segundo a vice-coordenadora do Programa, professora Inês Assunção de Castro Teixeira, as pesquisas com História Oral permitem a reconstrução de fatos a partir da chamada "polifonia da História" - porque busca várias "vozes"- e da "polissemia", ao incorporar múltiplas interpretações e visões dos acontecimentos históricos. De caráter interdisciplinar, a História Oral está presente não apenas em pesquisas das ciências humanas e sociais. "Temos, por exemplo, pesquisas na área da Biologia, com registros das condições ambientais a partir de relatos de quem viveu em determinados espaços", comenta a professora.

Alguns pesquisadores preferem denominar a História Oral como "trabalho com oralidade", já que ela não se restringe aos historiadores e nem mesmo à academia, podendo ser desenvolvida por cidadãos comuns. Atento a este aspecto, o Programa de História Oral da Fafich forma oralistas - pessoas que recolhem, de forma adequada, os relatos em suas comunidades. "Nesse sentido, o trabalho com oralidade é um movimento de resgate de identidades, de reflexões sobre a vida e os sujeitos sociais", define Inês Teixeira.

A formação de oralistas é feita por meio de um curso de extensão - Iniciação à História Oral - que o Programa oferece em agosto e outubro, em dois módulos. Discussões sobre o tema também podem ser acompanhadas através do projeto Quartas com História Oral, que reúne especialistas para debates e comunicações de trabalhos, abertos ao público. Na próxima quarta, dia 25, o projeto apresenta a conferência de Nelma Marçal Lacerda Fonseca, do Centro de Referência do Professor, da Secretaria de Estado da Educação, sobre A história oral no Museu da Escola de Minas Gerais: um arquivo aberto a pesquisadores da história da educação mineira. O encontro será às 14h30, na sala 1.012 da Fafich.

Resgate da diversidade

Criado em 1990, o Programa de História Oral, do Centro de Estudos Mineiros, reúne pesquisadores de várias unidades acadêmicas da UFMG. O núcleo pesquisa e documenta a vida política, econômica, social e cultural de Minas Gerais, estado de reconhecida complexidade e diversidade. Segundo seus coordenadores, a opção pelo método da oralidade baseou-se no entendimento de que um conjunto expressivo e diverso de depoimentos constitui documentação que representa pontos de vista multilaterais, o que permite a reconstituição de acontecimentos, processos e conjunturas da história do estado, através de ângulos diferenciados, heterogêneos e plurais.

O acervo do Programa é composto por fitas cassetes e transcrições de dois tipos de depoimentos: entrevistas de história de vida, que reconstituem a trajetória do indivíduo no processo histórico em sua globalidade; e entrevistas temáticas, que enfocam a participação do entrevistado em determinada conjuntura ou acontecimento.

O acesso ao acervo pode ser solicitado na sala 1.035 da Fafich.

Projeto: Programa de História Oral
Unidade: Centro de Estudos Mineiros da Fafich
Coordenação: professoras Andréa Zhouri e Inês Assunção de Castro Teixeira
Informações: (31) 3499-5002 ou pelo correio eletronico historal@fafich.ufmg.br.