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Nº 1407 - Ano 29 - 11.09.2003


/Leonardo Castriota

"A cidade tradicional está desaparecendo"

Pedro Marra

 

á três anos, em Cuiabá, o professor Leonardo Castriota (foto), diretor da Escola de Arquitetura, participou de uma edição do Congresso Brasileiro de Arquitetos, que patrocinou um profícuo debate sobre as cidades contemporâneas. Dessas discussões nasceu o livro Urbanização Brasileira - Redescobertas, organizado pelo próprio Castriota e lançado recentemente.

Nesta entrevista ao BOLETIM, o diretor da Escola de Arquitetura, que preside o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), seção Minas Gerais, analisa o novo perfil das aglomerações urbanas, marcadas pelo fenômeno cidade dual: "A exclusão não atinge só os pobres nas favelas, mas também o rico que opta por viver encastelado nos condomínios fechados".

Que discussões sobre a cidade contemporânea emergiram durante o Congresso de Cuiabá?

Durante o Congresso, discutimos as transformações ocorridas nestes últimos dez anos nas cidades brasileiras. A partir do início da década de 90, as estatísticas começaram a mostrar uma desaceleração do crescimento das metrópoles, o que levou alguns pesquisadores a associarem o fenômeno a uma desurbanização. Milton Santos (geógrafo brasileiro falecido em 2002) discordou: o que estava ocorrendo não era desurbanização, mas um outro tipo de urbanização. As capitais, de fato, deixaram de crescer, mas os cinturões das periferias, não. Cidades como Betim, Contagem, Ribeirão das Neves estão crescendo a taxas muito altas. Outra tendência é o crescimento das cidades médias, principalmente as do Nordeste. Há também o crescimento do vetor Oeste brasileiro, com a ocupação das fronteiras, principalmente em Tocantins. O livro discute o que mudou de 10 anos para cá nas cidades, a partir do fenômeno da globalização e até que ponto ela influencia na transformação urbana.

Que fenômenos caracterizam as cidades modernas?

Uma das consequências é o aparecimento do que chamamos de cidade dual, fenômeno marcado pelo aumento da segregação espacial no Brasil, que envolve não só a formação de favelas, que abri gam os pobres, mas também a construção de condomínios fechados, que representam a exclusão do rico. Quanto às favelas, o que se observa é um crescimento muito grande. Em São Paulo, na década de 70, as favelas eram habitadas por 4 ou 5% da população. Esse índice hoje é superior a 20% e se repete em outras grandes cidades brasileiras.

Por que isso ocorreu?

Quando as taxas de urbanização começaram a acelerar, o Estado não conseguiu dar resposta às demandas. Então, as pessoas passaram a ocupar áreas impróprias, que não poderiam ser habitadas de forma alguma, como o Taquaril (na Zona Leste de Belo Horizonte). Até os anos 70, o Estado relocava a favela: tirava as pessoas de lá e as levava para conjuntos habitacionais muito distantes. Cidade de Deus, no Rio, é um exemplo. O que ocorre hoje é diferente: o poder público urbaniza a favela e leva infra-estrutura para o local, onde as pessoas já criaram laços. O livro também analisa o estatuto da cidade, lei elaborada há dois anos e que permite esse tipo de regularização com mais facilidade.

Como ele funciona?

A Constituição de 88 instituiu a função social da propriedade. Só que ela não criou - nem deveria - mecanismos que pusessem em prática esta função. Isso deve ser regulamentado à parte. O estatuto das cidades instituiu uma série de mecanismos, como o usucapião coletivo. Um grupo que tenha invadido uma área privada, que esteja lá há mais de cinco anos, e cujo dono não solicitou reintegração de posse, pode pedir a propriedade daquele lugar.

Como o senhor analisa a questão dos condomínios fechados?

Eles representam a tendência de certas camadas de renda mais alta se encastelarem em regiões cercadas da cidade, geralmente com segurança própria, com as características muito homogêneas, sem a diversidade típica da cidade, e algumas vezes com governo próprio. O livro analisa desde a Barra da Tijuca, o primeiro caso brasileiro, passando pelo Alphaville, aqui em Belo Horizonte, e fecha com os condomínios erguidos nas cidades litorâneas. Quando somamos um espaço não-urbanizado a um espaço urbanizado, mas completamente segregado, chegamos a dois guetos de exclusão e à conclusão de que a cidade tradicional, enquanto lugar das diferenças, está desaparecendo.

Livro: Urbanização Brasileira - Redescobertas
Organizador: Leonardo Barci Castriota
Editora: C/Arte
Preço: R$ 35
Onde comprar: nas principais livrarias da cidade