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/ Eduardo Subirats
O legado de Adorno
Maurício Guilherme Silva Júnior
m dos principais pensadores espanhóis da atualidade esteve na UFMG para discutir a obra do filósofo Theodor Adorno, cujo centenário de nascimento é comemorado em 2003. Professor da Universidade de Nova Iorque, Eduardo Subirats apresentou, durante o Congresso Internacional Theoria Aesthetica, realizado em setembro, na Fafich, sua análise particular das idéias da Dialética do esclarecimento, de Adorno. Autor de diversos livros, Subirats é um apaixonado pelo estudo de outras culturas, entre as quais a dos povos latino-americanos. Nesta entrevista ao BOLETIM, ele aborda a importância do gênero "ensaio" no século 20 e comenta idéias de Adorno sobre arte e sociedade.
Adorno escreveu ensaios, pois acreditava que assim não reduziria a pluralidade do mundo a conceitos rígidos. Tal perfil anti-sistemático fez com que seus pensamentos permanecessem atuais?
Adorno utilizou-se de ensaios, como outras centenas de autores do século 20. E todos se valiam deles pelo mesmo motivo. Adorno enxergava o ensaio como a forma capaz de permitir ao autor expressar-se com grande vitalidade, mesmo através de conceitos filosóficos. A importância de textos ensaísticos no mundo contemporâneo, que está em crise, deve-se, principalmente, à possibilidade de conjugar reflexão e liberdade. Mas eu não diria que Adorno foi anti-sistemático. Ao contrário, eu o considero um filósofo muito metódico. Seu pensamento é claramente estruturado. Ensaio não é sinônimo de assistematicidade. E assistematicidade difere de liberdade. Adorno nunca foi dogmático, nem seguiu qualquer rotina formalista.
A reflexão filosófica de Adorno pode ser considerada uma "crítica" da sociedade, da estética e do conhecimento?
Filosofia é e sempre foi crítica. Bacon é crítico, Aristóteles é crítico. Pois crítica significa, em primeiro lugar, rigor. E filosofia é um pensamento bastante rigoroso. No que diz respeito às críticas aos confrontos sociais e históricos, Adorno, assim como Sartre, é um dos mais importantes pensadores do século 20, pois assumiu a necessidade de redefinição do pensamento filosófico, a partir de um embate com a realidade histórica, que considero destruída e conflituosa. Neste ponto, é preciso ressaltar, inclusive, o fato de Adorno ser hoje tão celebrado. Isso revela o desejo de atualizar, de modificar. Mostra também o enorme vazio intelectual em voga com o pós-modernismo, o desconstrucionismo, a burocracia acadêmica norte-americana dos estudos culturais, e um monte de porcaria criada pela indústria corporativa norte-americana. Há um vazio teórico e um enorme cinismo por parte de diversos professores e intelectuais. Adorno, ao contrário, é um modelo de comportamento ético, intelectual, e também teórico, no que tange ao compromisso com a verdade.
Adorno acreditava que a arte é o lugar para o inumano e o sofrimento. Para ele, como os artistas "reencenam" as barbáries da existência?
O mais inumano para Adorno dizia respeito a Auschwitz. Em certo momento, ele pronunciou a famosa frase após Auschwitz não poderia haver arte. Eu não concordo com esse ponto de vista. Muitas pessoas consideram essa uma das bobagens ditas por Adorno. Eu também não concordo com essa substantivação de Auschwitz por parte da teoria crítica. Parece que alguns teóricos não se lembram de que a racionalidade moderna já havia presenciado muitos Auschwitzs. Para começar, perto de nós houve o genocídio completo dos dois continentes americanos. Além de maior numericamente, o episódio é mais radical que Auschwitz do ponto de vista político e teológico. Não se trata de comparar genocídios, mas de um comentário sobre a história dos genocídios que atravessa a racionalidade moderna. Neste ponto faço pergunta semelhante à de Adorno: É possível pensar em arte depois dos genocídios da população histórica das Américas? Empiricamente, sabemos que sim. Mas respondo a essa questão com um exemplo da América Latina. Uma das mais lindas e interessantes peças da arquitetura latino-americana, o Anahucalli, de Diego Rivera, é dedicado ao holocausto indígena mexicano. O monumento, sangrento e gigante, é, ao mesmo tempo, um tributo à arte. O espaço é um museu dedicado à arte indígena antiga, que hoje chamam de peças arqueológicas. Eu não as entendo como objetos arqueológicos, mas artísticos. Esse exemplo mexicano representa a recriação, a restauração da vida após a catástrofe.
Que características da Dialética do esclarecimento permanecem atuais?
Há vários aspectos que conferem atualidade ao texto. Em primeiro lugar, trata-se de um pensamento da catástrofe, exatamente a que vivemos nos dias atuais. Em segundo, é uma crítica da falência da razão ocidental. Essa ruína é visível por todas as partes. Adorno faz uma análise magistral da crise da subjetividade moderna. Por último, a Dialética é uma crítica da destruição da cultura promovida pela indústria capitalista.
Como os intelectuais enxergam hoje o pessimismo da Escola de Frankfurt em relação à indústria cultural?
Nunca li a Escola de Frankfurt como pessimista. Eu sempre achei que os teóricos frankfurtianos eram mobilizados pela raiva.