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Nº 1415 - Ano 29 - 06.11.2003

 

 

Dois por cento do PIB para Ciência e Tecnologia*

Ennio Candotti**

edicar 2% do PIB para Ciência, Tecnologia e Inovação até 2007 sinaliza a diretriz de uma política de governo, afirmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sucessivas oportunidades. Hoje, os dispêndios da União, nessa área, são da ordem de R$ 12 bilhões por ano.

Definida a meta, resta dar instrumentos de ação e meios adequados às forças existentes e àquelas em gestação. A recente reconstituição do Conselho de Ciência e Tecnologia (CCT), que reúne o Presidente da República, doze ministros e 16 representantes da comunidade científica, tecnológica e de usuários, oferece um instrumento decisivo para dimensionar os desafios e coordenar as ações que possam levar à meta sinalizada de 2%.

Sabemos que atividades de ciência e tecnologia estão presentes, em diferentes proporções, em todos os ministérios e, se forem realizadas sem focos coordenados e diretrizes convergentes, perdem o caráter dinâmico e reformador, limitando seu alcance a serviços específicos, localizados e a políticas fragmentadas.

Para alcançar 2%, é preciso que os ministérios atuem em C&T de modo afinado, somando idéias e recursos. Isto não custa dinheiro, talvez nacos de poder na definição do `seu' orçamento. Exige, porém, negociação e muita determinação. Defesa e Meio Ambiente, Energia e Educação, Agricultura, Saúde e outros mais devem participar, com voz e voto, da articulação da política e, portanto, das definições dos orçamentos e prioridades em todas as áreas em que ações em C&T estejam presentes. Não é o que acontece. O quadro do que cada Ministério pensa e realiza em C&T, passados dois meses de sua última convocação, ainda não ocupa seu devido espaço na mesa do Conselho de Ciência e Tecnologia.

É cedo, mas 2%, até 2007, têm pressa. Para chegar lá, há, no caminho, seis pedras que deveremos mover:

1. A retenção, na Fazenda, de recursos dos Fundos Setoriais destinados a C&T.

2. O minúsculo aporte de recursos do tesouro para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

3. O bloqueio, por disputas jurídicas, dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).4. A ausência, na reforma tributária, de menção e vinculações para C&T.

5. A ausência da C&T no planejamento dos investimentos em infra-estrutura.

6. A tímida presença da cooperação científica e tecnológica na política internacional.

Pedras que, no entanto, se bem trabalhadas, podem ser reaproveitadas para oferecer o apoio necessário para alcançar a nossa meta-promessa.

Vejamos:

1. Um bilhão e quatrocentos milhões de reais provenientes dos fundos setoriais estão retidos na Fazenda. Burlou-se a lei que não permite limitar o repasse dos recursos para C&T. Para o exercício de 2004, o Orçamento que tramita no Congresso prevê que mais 800 milhões serão subtraídos da área. É preciso recuperar esses recursos, devolvendo-os ao financiamento de seus objetivos próprios e, o mais importante, permitindo que novos fundos sejam criados.

2. O instrumento mais adequado para imprimir renovada dinâmica ao Sistema de C&T e sustentação às ações interministeriais do CCT são os recursos não-vinculados a objetivos específicos do FNDCT. Esse fundo, nos anos 80, permitiu criar a infra-estrutura que resultou em programas de grande sucesso, como os da prospecção de petróleo, da Embraer, da produtividade da agricultura, e deu eficiência aos laboratórios da UFRJ e Unicamp, entre outros. O FNDCT `livre' faz muita falta. Ele é o principal instrumento de ação institucional da política de C&T. Devemos convencer deputados e senadores a acrescentar, aos simbólicos 18 milhões de reais previstos pelo Planejamento para o orçamento de 2004, mais R$ 200 milhões de recursos do Tesouro.

3. O Fust, fundo criado após a privatização da Telebrás para universalizar o acesso aos meios e fins das telecomunicações, conectar escolas, universidades, centros comunitários e bibliotecas, e permitir o livre acesso às informações fundamentais para promover a educação e o desenvolvimento em C&T, recolheu mais de R$ 2,5 bilhões que, no entanto, estão bloqueados devido a disputas jurídicas. Caberá ao Executivo e ao Legislativo desfazer o imbróglio que paralisa o uso desses recursos. 4. A reforma tributária, com razão, polariza o debate político nacional. C&T não encontram espaço na agenda dessas negociações. Se a meta dos 2% fosse lembrada, a agenda de negociações deveria incluí-los. A prorrogação dos incentivos da Zona Franca de Manaus poderia, por exemplo, incluir uma pequena porcentagem do faturamento das empresas lá instaladas, que, dedicados ao desenvolvimento científico e tecnológico, contribuiriam muito para oferecer novas perspectivas à própria Zona Franca e mudar os destinos da região.

5. O importante esforço de planejamento em infra-estrutura projetado para os próximos anos raramente se refere ao desenvolvimento científico e tecnológico e à formação de recursos humanos, como um de seus pontos de apoio. O exemplo do desenvolvimento da Amazônia é eloqüente: nele, conhecimento e tecnologia não podem ser dissociados de defesa e conservação, saúde e qualidade de vida das populações que a habitam. Será preciso incluir C&T nos itens prioritários de investimento e das preocupações dos bancos e agências de desenvolvimento, como a nova Sudene ou o BNDES.

6. A política de relações exteriores e, particularmente, a que busca fortalecer o Mercosul, pouco explora os múltiplos canais que, há décadas, vem promovendo a cooperação científica, tecnológica e cultural entre os países do sul. A soma dos laboratórios e competências instaladas permite alcançar as dimensões capazes de oferecer suporte técnico-científico à defesa dos interesses regionais nos foros internacionais.

A premissa - o pleno e cooperativo funcionamento do Conselho de Ciência e Tecnologia como foro de entendimento entre ministérios -é, a nosso ver, o objetivo mais difícil a ser alcançado. Curiosamente, é também o único que não exige burras nem despesas.

*Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, de 29 de outubro de 2003

**Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

 
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