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Nº 1428 - Ano 30 - 04.3.2004


Uma mulher à frente do tempo

Prestes a completar cem anos, Alaíde Lisboa é referência na educação e na literatura infantil brasileiras

Maurício Guilherme Silva Júnior

 

la sempre diz, ao citar James Joyce, que é um pouco de tudo o que encontrou pelo caminho. No dia 22 de abril de 2004, Alaíde Lisboa de Oliveira completará cem anos de experiências e sentimentos recolhidos pela estrada do tempo. Em um século de vida "irrequieta", segundo adjetivo utilizado por amigos e discípulos, a escritora, educadora, ex-vereadora e professora aposentada da UFMG tornou-se uma das grandes personalidades brasileiras nas áreas da educação e literatura infantil.

Autora de A bonequinha preta e O bonequinho doce, obras lidas por gerações de crianças brasileiras, Alaíde Lisboa é o que se costuma chamar de mulher à frente de seu tempo. Natural de Lambari (MG), onde passou a infância e a adolescência, a professora, integrante da Academia Mineira de Letras, tornou-se, em 1950, a primeira vereadora da capital mineira. Tais atividades demonstram o perfil múltiplo de Alaíde, para quem a possibilidade do sonho é a principal meta do ser humano. "O que seria de nós se não sonhássemos um pouco? Ou melhor: que seria do mundo se os homens não sonhassem?", escreveu em uma de suas obras.

Tanto na infância em Lambari, onde estudou no Grupo Escolar Dr. João Bráulio Júnior, quanto na adolescência em Campanha (MG), Alaíde Lisboa revelava grande gosto pelo estudo. Durante o internato do Curso Normal do Colégio Nossa Senhora de Sion, passava horas a aprender. "A motivação para o estudo era tão natural que não precisava inventar artifícios para despertar e manter o interesse", conta a professora. Para quem sempre apreciou o conhecimento, os tempos na Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte seriam muito proveitosos. Lá, assistiu a aulas de grandes mestres da educação, como Helena Antipoff. Em sua trajetória intelectual, publicaria mais de vinte livros, além de inúmeros artigos em revistas e jornais brasileiros.

Universidade

Após anos de estudo, Alaíde Lisboa aproximou-se da UFMG, onde lecionou Didática Geral e Especial. Foi também diretora do Colégio de Aplicação da Universidade e vice-diretora da Faculdade de Educação (FaE), onde organizou o mestrado da área. Atuou como professora da pós-graduação na FaE e na Faculdade de Medicina, dedicando-se à disciplina Metodologia do ensino superior. "Dona Alaíde era, ao mesmo tempo, maternal e mestre. Uma mulher muito forte, sempre aberta às mudanças do mundo", ressalta Maria Ângela de Faria Resende, ex-aluna de Alaíde e autora, ao lado do professor Guido de Almeida, da biografia poética Meu coração ou Alaíde Lisboa de Oliveira na memória da Universidade.

Alaíde jamais se dedicou a uma só atividade. Lançar-se aos desafios da vida para recolher o aprendizado de cada dia sempre foi uma de suas práticas prediletas. Falante, ela própria se comparava aos diálogos pouco lineares de O ano passado em Marienbad, filme de Alain Resnais: "Afinal, se nossa vida não é linear, por que nossa fala deverá ser?", pergunta. Consagrada com prêmios e condecorações literárias e acadêmicas, jamais se esquivou de elogios. Na verdade, nunca apreciou a chamada falsa modéstia. Diante de uma homenagem, sempre demonstrou-se bastante agradecida: "Que bom! Façam isso sim! É uma maneira de eu não morrer", completa.

Intelectual e escritora sabiamente "irrequieta", Alaíde Lisboa jamais cogitou a hipótese de entregar sua vida aos afazeres domésticos. As diversas "riquezas" do caminho sempre a atraíram com muito mais intensidade: "A mulher exclusivamente absorvida pelos cuidados materiais da casa, a mulher alheia às mutações sociais e políticas cedo perde o contato com a geração que se forma dentro da própria casa. O filósofo já disse que somos animais políticos".