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Nº 1430 - Ano 30 - 18.3.2004

 

 

A reforma universitária

Cid Veloso*

universidade brasileira está, felizmente, na pauta da sociedade brasileira: em artigos de periódicos, debates, seminários, discussões nos parlamentos, reflexões dentro das próprias instituições de ensino superior e conversas de grupos.

Toda a sociedade reconhece a importância da universidade e, por esse motivo, tem percebido com sensibilidade os problemas e reconhecido os desafios que a instituição vem enfrentando. Além das dificuldades financeiras de curto e médio prazos, a evasão de docentes motivada pelos baixos salários, sem a devida reposição da força de trabalho, a proliferação indiscriminada de cursos superiores privados sem a devida qualidade, a falta de autonomia, as dificuldades de avaliação, o distanciamento das universidades em relação às necessidades prementes da sociedade, a exclusão social e econômica que se reflete na entrada dos estudantes na instituição e outros problemas têm produzido certa perplexidade, revelando a necessidade de uma profunda reformulação do sistema de ensino superior.

A crise maior da universidade, entretanto, é de identidade. No mundo atual, com a vertiginosa rapidez das informações, com o grande volume e a diversificação de conhecimentos, com o desafio da injusta distribuição de riqueza e do poder no mundo, a universidade não pode mais manter a mesma estrutura, os mesmos métodos de ensino e de pesquisa e os mesmos processos de interação com a sociedade.

A reforma deve ser ampla e profunda, abordando a mudança dos processos de seleção para entrada na universidade, a implementação de processos de avaliação institucional adequados e participativos, a superação da atual estrutura departamental compartimentalizada, a evolução da concepção de disciplinas para eixos temáticos multi e transdisciplinares. A reforma também deve contemplar uma maior aproximação da universidade com a sociedade em suas atividades de ensino e pesquisa, promover a implementação da educação permanente para os egressos da universidade e desenvolver processos pedagógicos que enfatizem o conteúdo humanístico, ético e cultural do conhecimento adquirido pelos estudantes, além de outros aspectos.

A efetivação da autonomia universitária, prevista na Constituição Federal de 1988, está atrasada 16 anos. A autonomia, entretanto, esbarra em um ponto crucial, o financiamento das universidades públicas _ sem recursos financeiros, não é possível exercer uma autonomia real, que passará a ser apenas autonomia para captar recursos, o que não é o papel da universidade. O que precisa ser liminarmente descartado é a proposta de cobrar mensalidades dos estudantes "que podem pagar" nas universidades públicas. Essa cobrança, além de acrescentar muito pouco ao orçamento das universidades (de acordo com pesquisa recente feita pelo Inep, apenas 24,4% dos estudantes das universidades federais pertencem a famílias com renda superior a 20 salários mínimos), desviaria o esforço da universidade para captação de recursos e mercantilizaria sua atividade acadêmica, mudando completamente o seu perfil. Afinal de contas, o orçamento das instituições de ensino superior federais para 2004 é de apenas R$ 9 bilhões, conforme informou o professor de economia João Sayad em artigo reproduzido neste BOLETIM, em dezembro passado, o que significa cerca de 0,9% do PIB brasileiro. Será que este valor pode ser considerado um grande peso para o orçamento federal? É bom lembrar que só a falência fraudulenta de um banco brasileiro, há poucos anos, consumiu valor semelhante a este, originário do famoso Proer, que, no fim das contas, provém da sociedade brasileira.

Felizmente, está ocorrendo uma movimentação visando à reforma universitária: o governo federal criou, através de decreto publicado em outubro do ano passado, um Grupo de Trabalho Interministerial para orientar o processo de reforma da universidade brasileira. Esse grupo já elaborou e divulgou um primeiro relatório no início deste ano. O documento é composto de quatro partes: a primeira apresenta um elenco de ações emergenciais para o enfrentamento imediato da crítica situação das universidades federais; a segunda ressalta a necessidade de efetiva implantação da autonomia nas universidades federais; a terceira aponta para linhas de ação imediata, que possam complementar recursos e propiciar um redesenho do quadro atual; a quarta indica as etapas necessárias para a formulação e implantação da reforma universitária brasileira. O relatório apresenta dados importantes, aponta aspectos relevantes do problema e elabora propostas exeqüíveis, mas, por ser um documento preliminar, aborda aspectos pontuais e propõe ações limitadas. Por isso, é necessário ampliar a abordagem.

Por outro lado, o Fórum de Políticas Públicas ligado ao Instituto de Estudos Avançados da USP tem discutido intensamente o tema, publicando artigos e participando de fóruns nacionais, com propostas importantes para a efetivação de uma reforma ampla da universidade.

Os problemas estão colocados, e a sociedade, mobilizada. É fundamental não deixar passar a oportunidade de realizar uma reforma universitária ampla e profunda, envolvendo todas as categorias (universidades públicas, confessionais e privadas), não se limitando apenas a efetivar remendos e providências emergenciais nas instituições.


*Professor aposentado da Faculdade de Medicina. Foi reitor da UFMG no período 1986-1990



 

 
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