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Nº 1451 - Ano 30 - 26.8.2004

 

 

Os gargalos da academia*

Ulysses Fagundes Neto**

s críticas ao fato de o atual governo já ter autorizado o funcionamento de 1.760 novos cursos superiores e à eventual criação de universidades públicas parecem desconsiderar a realidade. Afinal, a expansão é necessária e desejada pela população. Deve, porém, ser criteriosa e assegurar a qualidade do ensino. É verdade que o acesso à educação superior cresceu nos últimos 10 anos, mas o avanço foi pequeno ante a necessidade de tornar o conhecimento a base da justiça social e do progresso: só um entre oito jovens de 18 a 24 anos cursa faculdade.

É preciso quase triplicar o índice para cumprir a meta do Plano Nacional de Educação, segundo a qual um terço dos brasileiros nessa faixa etária deverão freqüentar cursos superiores até 2010. Além disso, 70% dos universitários estudam na rede privada. De 1994 a 2001, ampliou-se em um terço o número de vagas na rede pública, na qual mais da metade das matrículas concentra-se nas universidades federais.

Esta expansão, contudo, foi aquém da demanda. A Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílio (IBGE/2001) revela que, entre os 10% mais ricos, 23,4% cursam a educação superior; dos 40% mais pobres, apenas 4% estão matriculados em faculdades. Portanto, uma análise racional e equilibrada dos dados demonstra ser correta a política pública de expansão das vagas no ensino superior, estatal e privado.

O significado contemporâneo do acesso à academia tornou-se mais claro a partir de 1990, como bem expressam as Novas teorias de crescimento , de Paul Romer e colaboradores (Chicago, EUA). O saber deixou de ser variável exógena do desenvolvimento. Tornou-se sua base e indutor, agregando valores à sociedade, à economia, à qualidade de vida e à produção. Exemplos tácitos dessa nova realidade encontram-se nos Estados Unidos, onde há 800 mil cientistas fazendo pesquisas em empresas, ou na Coréia do Sul (75 mil). Aqui, são apenas 10 mil, número a ser potencializado pelo previsível sucesso das políticas públicas para a educação.

Dessa maneira, justifica-se plenamente a adoção de programas emergenciais para ampliar o acesso de alunos de menor renda à universidade gratuita, bem como a criação de cursos superiores. Também é importante considerar que as universidades públicas têm centros acadêmicos de excelência e se destacam no campo da pesquisa, inovação e tecnologia, sendo responsáveis por 90% da produção científica nacional. A disseminação de todo esse conhecimento de forma mais efetiva e sistemática contribuiria muito para democratizar cada vez mais a academia, permitindo à sociedade e aos sistemas produtivos agregarem benefícios advindos de seu trabalho.

É essencial, contudo, melhorar o ensino fundamental e médio nas redes municipais e estaduais. Esta é a solução definitiva para que a disputa de vagas na educação superior pública seja mais equilibrada. O Brasil será outro país, melhor e mais próspero, quando crianças e jovens de todas as faixas de renda tiverem igualdade de chances para chegar à universidade com nível adequado de conhecimento e cultura.

* Artigo publicado no JC e-mail , de 19 de agosto

** Reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Papel central*

Eduardo Gonçalves Serra**

D esde o final de 2003, o governo federal vem anun- ciando a intenção de promover uma reforma uni- versitária para adequar o sistema de ensino superior brasileiro às exigências dos tempos atuais. A autonomia, especialmente financeira, das universidades federais, é um tema recorrente. Mas é realmente necessário realizar com urgência uma reforma do ensino superior brasileiro? É possível, com a reforma, atender aos interesses da grande maioria da população, que sempre foram colocados em segundo plano?

Nosso sistema universitário sempre se defrontou com as questões da definição do papel das universidades no desenvolvimento nacional e com a demanda por acesso ao ensino superior, que cresceu na proporção em que a industrialização e a urbanização se intensificaram no Brasil. Agravado pela recessão dos anos 80, ganhou força o problema do financiamento do sistema, questionando-se o papel estratégico do comprometimento do Estado com o investimento nas universidades.

Ao longo das últimas décadas, as respostas dadas a esta problemática não atenderam suficientemente às demandas da maioria da sociedade, tampouco (com raras exceções) propiciaram a colaboração das universidades para a construção de um projeto de desenvolvimento voltado para a superação de nossos problemas sociais _ cada vez mais graves _ e da nossa histórica posição subalterna na ordem internacional.

A reforma necessária para o sistema universitário deve contemplar os interesses das classes populares, pautando-se pela constituição de um projeto de desenvolvimento autônomo. O papel do Estado é central, devendo ser assegurada a aplicação de recursos públicos para a manutenção e a expansão do sistema de ensino superior, mantendo-se a gratuidade para todos os cursos de graduação e de pós-graduação strictu sensu . Há de se estreitar as relações entre universidades e órgãos públicos, visando ao estabelecimento de acordos e convênios que possam significar maior atendimento às demandas da sociedade e o apoio ao desenvolvimento das atividades universitárias, redefinindo as condições de realização da chamada extensão universitária.

A definição de apoio prioritário para determinadas áreas de conhecimento, com políticas que possibilitem maior crescimento e autonomia econômica, o desenvolvimento tecnológico e a propriedade intelectual nacional são outro imperativo da reforma universitária necessária para este momento.


* Artigo publicado em O Globo, no dia 19 de agosto

** Diretor de Ensino da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

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