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Nº 1485 - Ano 31 - 26.5.2005

Dissertação da Veterinária mapeia morcegos contaminados pela raiva em Minas Gerais

Alterações ambientais transformaram quirópteros em vetores da doença

Ana Paula Ferreira

mpactos ambientais provocados pelo homem podem ser a causa de mudanças no perfil epidemiológico de uma das zoonoses (doenças comuns ao homem e ao animal) mais graves que se conhece: a raiva. Até o início do século 20, acreditava-se que ela só poderia ser contraída pelo homem através da mordida de animais infectados, como cães*, gatos, lobos ou raposas. Posteriormente, um novo transmissor se incorporou a esse rol: o morcego, em descoberta feita por pesquisadores catarinenses depois de uma epidemia de raiva no Estado.

Em Minas, estudo do pesquisador Cássio Aguirre Cota Pacheco concluiu que os morcegos contaminados com o vírus rábico estão espalhados por todas as regiões do estado. Esse mapeamento é parte de sua dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da UFMG.

A pesquisa faz uma descrição da distribuição espaço-temporal de morcegos contaminados em Minas Gerais a partir da análise de dados coletados pela Escola de Veterinária da UFMG, pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e pelo Centro de Controle de Zoonoses de Belo Horizonte, entre 1969 e 2003. Ao todo, foram reunidas 1.328 fichas de diagnóstico de raiva em animais originários de 153 municípios do Estado. "Nesse período, houve pelo menos um resultado positivo em cada região", afirma Pacheco.

Nos últimos anos, o morcego passou a ser o principal animal infectado pela raiva. O veterinário Élvio Carlos Moreira, professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da UFMG e orientador da pesquisa de Cássio Pacheco, atribui o fenômeno às alterações ambientais. "Normalmente dispersos, os morcegos passaram, nos últimos tempos, a coabitar moradias, como árvores e cavernas", diz o professor. Isso faz com que os animais passem a brigar por espaço e comida, o que aumenta a contaminação entre eles.

Nas cidades, a proliferação de morcegos é estimulada pelas construções urbanas, que oferecem ótimas condições de reprodução e abundância de alimentos (insetos, frutos e flores) e pela iluminação. Com uma população numerosa, aumentam as chances de transmissão da doença para outros animais, inclusive para o homem.

O estudo também identificou as espécies de quirópteros que apresentaram diagnóstico positivo. Segundo Cássio Pacheco, é falsa a crença de que apenas os morcegos que se alimentam de sangue podem contrair o vírus e, conseqüentemente, transmiti-lo ao homem. "Qualquer morcego, seja insetívoro, frugívoro ou hematófago, pode estar contaminado e transmitir a doença ao homem. A diferença reside no fato de que apenas os hematófagos atacam os humanos em busca de alimento", explica Cássio Pacheco.

Saúde pública

O Brasil é o único país da América Latina que apresenta casos da doença, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. A vacinação de cães e gatos é a melhor forma de controle, tendo como conseqüência a eliminação do risco de transmissão para seres humanos. Segundo o Ministério da Saúde, a incidência da doença caiu 90% nas duas últimas décadas. Em 2003, foram registrados 17 casos em sete estados do país. Em Belo Horizonte, a doença está controlada, já que o último caso de raiva humana foi notificado em 1984 e, de raiva canina, em 1989. Em todos os casos a contaminação humana ocorreu no meio rural.

Doença pode matar em cinco dias

A raiva humana é uma doença infecciosa provocada pelo vírus rábico, que pode ser transmitido através do contato com a saliva de animal raivoso, seja por mordeduras ou por lambeduras. Sua evolução é rápida, com sobrevida média de quatro a cinco dias. A pessoa atacada por um animal infectado deve procurar atendimento médico para receber vacina ou soro, pois, depois de instalada, a raiva humana é quase sempre fatal.

Os primeiros sintomas são dores de cabeça, febre, anorexia, náusea, hidrofobia e fotofobia. Em seguida podem ocorrer ansiedade, inquietude, alucinações e convulsões, que indicam o comprometimento do sistema nervoso central. Na fase final, ocorrem paralisia progressiva, coma e morte. O homem também pode transmitir a doença para outras pessoas, já que o vírus está presente na saliva e em outras partes do corpo.

*Originalmente associada a mamíferos carnívoros, a raiva passou a ser problema para o homem há cerca de dez mil anos, quando o cão foi domesticado. Na América Latina, existem registros de mordeduras de morcegos hematófagos em humanos há mais de 400 anos. Há, inclusive, relatos de colonizadores ibéricos sobre ataques às tropas, sem que fossem registrados casos da doença. De acordo com professor Élvio Carlos Moreira, "o vírus chegou aos morcegos através dos cães e gatos que vieram, possivelmente infectados, junto com os colonizadores". Como esses animais são predadores de quirópteros, houve transmissão do vírus para os morcegos.

Dissertação: Distribuição espaço-temporal da raiva em quirópteros em Minas Gerais, Brasil, 1969-2003

Autor: Cássio Aguirre Cota Pacheco

Defesa: abril de 2005, junto ao Programa de

Pós-Graduação em Medicina Veterinária

Área de concentração: Epidemiologia

Orientador: professor Élvio Carlos Moreira