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Nš 1501 - Ano 31
22.09.2005



Doutor escorpião

Ludmilla Rodrigues

le já descreveu cerca de 1.600 espécies de escorpião, 120 só Brasil. Administra coleções do artrópode no Museu Nacional de História Natural, em Paris, e percorre os quatro cantos do mundo à procura de novas espécies do animal. Sua ligação com o artrópode é tão estreita que até seu cartão de visitas exibe, no canto direito, uma simpática ilustração do animal.
Eber Faioli

Lourenço defende o controle biológico de espécies de escorpião

Um dos maiores especialistas mundiais em escorpião, o pesquisador franco-brasileiro Wilson Lourenço é autor de cerca de 450 trabalhos científicos sobre escorpiões e temas relacionados à biologia evolutiva e à biogeografia. No dia 13 de setembro, ele ministrou seminário no ICB sobre aspectos reprodutivos da espécie. Na ocasião, concedeu entrevista ao BOLETIM, na qual apresentou detalhes do estudo que desenvolverá em parceria com pesquisadores do ICB, discorreu sobre o comportamento dos escorpiões e procurou desmitificar crendices que povoam o imaginário popular.

Que pesquisa o senhor deverá desenvolver na UFMG?

O projeto da Maria Elena (professora Maria Elena de Lima, do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB) diz respeito à comunicação química estabelecida entre as fêmeas e os filhotes de escorpião. Procuro trazer uma orientação mais centrada na parte biológica desse comportamento, abordando fatores de reprodução e acasalamento. O objetivo da pesquisa é encontrar os feromônios utilizados como comunicação química. E, numa segunda etapa, tentaremos desenvolver um estudo aplicado, talvez relacionado ao controle biológico do escorpião aqui na região de Belo Horizonte, que é um problema.

O fato dos escorpiões habitarem a terra há centenas de milhões de anos é sinônimo de resistência ao meio ambiente?

Existe certa mitologia quanto a esse fato e que deve ser evitada. Os escorpiões são artrópodes bastante antigos, de certa maneira mais antigos que os insetos, que datam do período carbonífero da era paleozóica (350 milhões de anos). Ao longo desse tempo, sua morfologia foi pouco modificada o que prova que se adaptou muito bem ao ambiente. Mas essa capacidade de adaptação não é menor que a de vários insetos, como as baratas. Hoje, o grupo é pequeno, residual, mas conseguiu se estabelecer em alguns ambientes, principalmente florestas úmidas e desertos. Fabulou-se muito com a idéia do escorpião resistir a tudo, o que é falso. Individualmente, são até muito sensíveis. Em alguns casos, uma espécie de clima frio não sobreviveria num ambiente com temperatura de 26ºC.

A variabilidade morfológica dos escorpiões é pequena, mas eles habitam ambientes diferentes. Há aqueles, por exemplo, que vivem em solos orgânicos, são "microescorpiões" primitivos que até pouco tempo não eram conhecidos. O tamanho dos escorpiões pode variar de 8 milímetros, espécie do Madagascar, e os maiores escorpiões, encontrados na África e Ásia, alcançam 25 centímetros.

As espécies robustas são bem mais recentes. Há indícios de que as primeiras espécies eram aquáticas ou anfíbias. Então quando saíram da água, tiveram que se adaptar ao ambiente terrestre e, para isso, precisaram resolver problemas de locomoção, mobilidade e musculatura. Os escorpiões gigantes não existem nas Américas. São animais sociais, que vivem em grupo, e têm um medo terrível de qualquer ameaça; podem até morrer de estresse. São como as aranhas caranguejeiras, grandes, aterrorizantes, mas não fazem mal algum.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o senhor disse que o escorpião possui uma "previsibilidade ecológica". O que isso significa?
A grande maioria dos escorpiões de um determinado ambiente não consegue se adaptar a outros lugares, com exceção de 5 a 10% das espécies que chamamos de generalistas _ animais capazes de sair de um ambiente e viver em outro. Este é o caso dos escorpiões do cerrado que conseguiram se adaptar ao ambiente das cidades. Mas a maioria não se comporta assim. Não se vê espécie da Mata Atlântica na Floresta Amazônica ou do Cerrado em selvas e vice-versa. Para complicar, se a mata for destruída, o escorpião desaparece.

Estudos mostram que o veneno do escorpião pode ser fonte de medicamentos, tratando, por exemplo, de doenças como a hipertensão. Mas o animal é, muitas vezes, visto como uma ameaça à população. Como podemos equilibrar os benefícios com o controle da "peste"?
Em primeiro lugar, quem criou essa situação foi o homem. Naquele ambiente onde o escorpião morava, foi construída uma sede artificial, a cidade, e o escorpião, generalista, viu-se, rapidamente, sem competidores e predadores. E aí se deram conta de que ele era perigoso porque tinha uma toxina nociva ao homem. Caso contrário, talvez nem fosse notado. Em Buenos Aires, existem pequenos escorpiões que vivem até no metrô, mas não causam problema algum; todos estão acostumados a eles como se fossem um inseto qualquer. Claro que há espécies problemáticas. É preciso encontrar formas de evitar sua proliferação. Essa é uma das idéias do projeto aqui da UFMG: descobrir o mecanismo de comunicação química entre a mãe e o filhote, pertubar essa comunicação e diminuir a quantidade de reprodução. É uma forma de controle biológico.

No Brasil, o escorpião é uma espécie de vilão. E nos outros lugares, qual a percepção que se tem desse animal?
No Brasil, ele pode ser temido, mas é bom lembrar que a população indígena não tinha problema com os escorpiões. Viajando por países da América, encontramos uma cultura do escorpião mais arraigada. No México, por exemplo, o problema é muito mais grave. E ele é bastante conhecido em regiões áridas da África do Norte e no Oriente Médio. Os egípicios cultuavam uma deusa do escorpião, a Deusa Serket, cuja estátua é uma mulher jovem com um escorpião sobre a cabeça.