Busca no site da UFMG
Nš 1503 - Ano 32
06.10.2005



Cedeplar propõe novo ordenamento para o território brasileiro

Em estudo apresentado ao governo federal, especialistas sugerem outras diretrizes para o desenvolvimento regional

Ana Maria Vieira

recisamos de mais Estado". A frase, cunhada por Clélio Campolina, professor e diretor da Face, não comporta simplismos. Fruto de extensa reflexão individual e de um grupo de especialistas de diversas universidades brasileiras, ela sintetiza conjunto de análises e propostas apresentadas em maio ao governo federal. Por meio do documento Diretrizes para a formulação de políticas de desenvolvimento regional e de ordenamento do território, eles reclamam um projeto de nação capaz de reduzir as desigualdades e promover o desenvolvimento do país. A pesquisa foi realizada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Face, a convite do Ministério da Integração Nacional. Estas diretrizes estão sendo utilizadas na preparação da nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional, que já foi apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento.

"Resgatamos diferentes interpretações dos fundamentos teóricos sobre o desenvolvimento regional e analisamos os desafios e limites da regionalização brasileira, além das principais experiências mundiais, para identificar o que poderia ser aplicado ao Brasil", explica Campolina. O estudo final apresenta 23 textos, divididos nesses três eixos, de autoria de oito professores do Cedeplar, além do sociólogo Francisco de Oliveira, professor da USP, e dos economistas Carlos Brandão e Pedro Bandeira, da Unicamp e UFRGS, respectivamente.

O trabalho do grupo, coordenado por Campolina, produziu 890 páginas, que, até o final do ano, também estará disponível nos livros Fundamentos teóricos e conceituais sobre o desenvolvimento regional e urbano e Principais experiências mundiais de desenvolvimento regional: lições para o Brasil. A expectativa dos autores é de que o estudo sirva de referência para a elaboração das políticas do Ministério da Integração Nacional e contribua para a formação acadêmica de alunos de graduação e pós-graduação no Brasil.

Um dos principais desafios para a implantação das propostas apresentadas pelos especialistas trata da articulação das ações das instâncias públicas, do setor produtivo e das organizações sociais. "Essa é a tarefa mais fácil de ser anunciada, porém a mais difícil de ser implementada", diz o estudo, que atribui à Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) abrangência de diretriz de governo - e não de regiões isoladas ou de apenas um ministério. É por esse motivo, explica o documento, que a PNDR "como política territorial exige também a integração com outras instâncias - urbana, ambiental, infra-estrutura, cultural, entre outras".

Territorialidades

Aspecto importante da pesquisa assinala a necessidade de pensar uma nova regionalização do país, com o objetivo de orientar as políticas públicas. Critérios exclusivamente físicos já não se enquadram no contexto de globalização e de mobilidade do capital. "Norte, Nordeste e Centro-Oeste são recortes que impõem limites ao desenvolvimento regional", diz Campolina.

O pesquisador explica que a nova regionalização implica recortar o território a partir de critérios ambientais, geográficos, culturais e econômicos. "Um dos legados da experiência da União Européia é o respeito à representação social e política das regiões", exemplifica Campolina. Mas as novas referências podem tornar complexa a tarefa de reconhecimento do território. A questão ambiental, devido às suas dimensões de preservação de patrimônios naturais e de mercado de biodiversidade, exemplifica tal complexidade, ao associar-se à variável econômica no contexto de novos recortes territoriais.

"Para essa nova geografia econômica, o território deixa de ser paisagem e torna-se elemento que condiciona a forma de ocupação humana e a situação social em que se vive", reflete o professor, que qualifica como dramática a ocupação territorial urbana no Brasil, uma vez que a contínua concentração da população no espaço pressiona por crescente necessidade de recursos para a resolução de problemas.

Fundos

As novas referências para ordenação territorial devem favorecer o desenvolvimento do país, segundo avaliação do grupo de pesquisa, que também apresenta proposta de compatibilizar essa territorialidade com a política de financiamento regional. "Há mais de 60 anos vêm sendo feitas vinculações constitucionais, criados sistemas de incentivos fiscais, além de outras fontes e mecanismos de financiamento", dizem os pesquisadores, em trecho do documento. O volume de recursos chega a R$ 10 bilhões ao ano, porém o perfil de sua aplicação é considerado deficiente pelos especialistas do Cedeplar.

De acordo com eles, além do financiamento ao setor privado, é fundamental a inclusão do setor público (estados e municípios) como tomadores desses recursos. Os especialistas também sugerem a adoção de critérios que premiem resultados _ e não apenas intenções _ no novo sistema de financiamento. A fórmula estimularia a eficiência e combateria a corrupção. Ainda segundo análise do documento, a inclusão do setor público entre os tomadores "permitiria resolver problemas de infra-estrutura física e social, que muitas vezes são verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento".

O relatório do Cedeplar é especialmente crítico à recriação da Sudene, Sudeco e a Sudam. "Sem que se defina uma nova regionalização, os objetivos e os instrumentos necessários, a recriação dessas agências não atende à realidade contemporânea", analisa Campolina.



Menos superávit, mais investimento

Foca Lisboa

Clélio Campolina: "Quero mais Estado"

Uma das maiores autoridades na área de planejamento e políticas de desenvolvimento regional no país, Clélio Campolina mantém intenso ritmo de produção acadêmica, editando livros e elaborando projetos, além do seu trabalho de docência na pós-graduação. "Estou me tornando um cara multidisciplinar, se posso ter a audácia de afirmar isso", diz, ele, sobre os projetos que realiza. Em sua sala na Face, recebeu o BOLETIM para a seguinte entrevista:

Qual a intenção em produzir esse estudo para o Ministério da Integração?
Nosso objetivo é pensar um Brasil, do ponto de vista geográfico e geopolítico, para daqui a 50 ou 100 anos. Isto está fora de moda, mas pertenço à velha tradição desenvolvimentista.

Por que o estudo afirma que a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) não visa ao combate direto à pobreza?
A PNDR tem objetivos de reduzir as desigualdades regionais. Cabe às políticas universais enfrentar o problema da pobreza, propondo soluções para a educação, déficit habitacional, saneamento urbano, distribuição de renda e sistema tributário. Não desconhecemos a pobreza, pois quando propomos o reordenamento do território e a redução das desigualdades regionais, queremos aproximar a renda do Piauí da de São Paulo.

O estudo fala em novas centralidades para a PNDR. O que isso significa?
Significa criar cidades para dar suporte ao desenvolvimento de seu entorno e frear a concentração urbana. É uma forma de ocupação geopolítica do território, respeitando a preservação ambiental.

O Estado tem papel central na criação dessas novas centralidades?
Sim, esse é o papel do Estado. Sou antineoliberal: quero mais Estado - óbvio que um outro Estado. É necessário contar com investimentos públicos em equipamentos urbanos para fortalecer novas centralidades e desenvolver a infra-estrutura entre as regiões.

Há recursos para viabilizar esses projetos?
Existe muito dinheiro, mas ele está sendo aplicado de forma descoordenada.

O senhor pode dar exemplos?
Os fundos constitucionais e fiscais de desenvolvimento regional só financiam o setor privado. Eles deveriam ser estendidos a programas do setor público. O problema de desenvolvimento das regiões brasileiras não é falta de investimento privado, mas de infra-estrutura social e econômica. Antes de instalar uma empresa, é preciso resolver problemas de saneamento, educação e saúde. Entretanto, como vivemos numa sociedade capitalista, desenvolvimento regional transforma-se em sinônimo de crescimento do setor privado.

Pulverizar o destino de recursos não favorece a corrupção?
O estudo fala em arranjo institucional. Trata-se de um grande desafio combinar a articulação entre as instâncias públicas e entre os setores públicos e não-públicos. É necessário descentralizar para ser democrático. Se houver erros, esse será o custo de construir uma sociedade democrática.

Qual avaliação do ministro Ciro Gomes e do presidente Lula sobre a pesquisa?
O ministro está inteiramente de acordo, inclusive com a idéia de mudar a legislação sobre os fundos. O presidente Lula também manifestou-se favoravelmente. Disse que precisamos reduzir as desigualdades sociais, promovendo o desenvolvimento econômico. Mas uma coisa é fazer esse discurso, outra é colocar o projeto na agenda do governo.

O governo está se articulando para isso?
Não. No atual quadro acho muito difícil. A política econômica é dominada pelo Ministério da Fazenda, que tem uma orientação ligada às instituições multilaterais, ou seja, produzir superávit primário, controlar a inflação... É incompatível fazer superávit primário com recursos dos fundos constitucionais e declarar-se favorável a uma nova PNDR.

O problema então está na política monetária?
Está nas políticas monetária, cambial e de gasto público. O governo Lula tornou-se prisioneiro de uma equipe conservadora - talvez porque devesse prestar satisfação à comunidade internacional. Não podemos desconhecer a força e a pressão dessa comunidade, porém é possível reduzir o superávit primário de 4,5% para 2,5%. A sobra poderia ser destinada a um programa de investimento em infra-estrutura física e social no Brasil, assegurando crescimento com distribuição de renda.