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Nº 1512 - Ano 32
08.12.2005

O Nobel também é nosso

No rastro do estudo que rendeu o Nobel de Medicina a cientistas australianos, pesquisadores do HC foram os primeiros no país a associarem a bactéria H. pylori à úlcera péptica

Luiza Boaventura*

identificação da bactéria Helicobacter pylori, em 1982, e sua relação com a gastrite e a úlcera péptica valeram a dois cientistas australianos, Barry Marshall e Robin Warren, o Nobel de Medicina e Fisiologia de 2005. No entanto, o reconhecimento do trabalho dos dois estudiosos, segundo o gastroenterologista Luiz Gonzaga Vaz Coelho, professor do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e subchefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG, demorou a ser um consenso no meio científico.

"A publicação do estudo da teoria da participação da Helicobacter pylori em várias afecções gastroduodenais repercutiu tremendamente na prática médica diária", afirma Luiz Gonzaga. Gastroenterologistas, clínicos, cirurgiões, patologistas e microbiologistas logo se dividiram entre os absolutamente céticos (especialmente os cirurgiões), os reticentes e aqueles que, acompanhando e acreditando nos rápidos avanços publicados na literatura internacional, iniciavam sua própria observação sobre o tema.
Arquivo pessoal
Luiz Gonzaga: repercussão na prática médica

Gonzaga e o também gastroenterologista Luiz de Paula Castro engajaram-se no terceiro grupo. Em 1987, logo após o estágio que o primeiro fez em Londres, os dois formaram um grupo de pesquisa para investigar as teses dos cientistas australianos. Conseguiram, inclusive, a adesão de outros especialistas, como a professora Dulciene Queiroz, da área de Microbiologia, e Alfredo Barbosa, da Patologia. Mas o reconhecimento demorou. Naquele ano mesmo, o grupo encaminhou à Revista da Associação Médica de Minas Gerais o artigo Campylobacter pylori: uma nova luz na etiologia da gastrite crônica e da úlcera péptica?. "Muitos meses se passaram até que o artigo fosse publicado", relembra o professor Gonzaga.

Ambulatório

Em 1989, o HC começou a estruturar um dos maiores ambulatórios de úlcera péptica do mundo, reunindo registros de mais de 10 mil portadores da doença. Com esta iniciativa e os estudos desenvolvidos pelos grupos de microbiologia, patologia e pediatria, a UFMG tornou-se a primeira universidade no Brasil _ e uma das poucas da América Latina _ a pesquisar a ação da Helicobacter pylori. Ainda no final dos anos 80, o ambulatório desenvolveu o primeiro teste respiratório para detectar a presença da bactéria no estômago. O teste não é invasivo nem radioativo.

*Jornalista da Assessoria de Comunicação do Hospital das Clínicas

A culpa é da bactéria

Úlcera péptica é uma ferida que acomete o estômago ou o duodeno. Na maioria dos casos, ataca adultos jovens (entre 20 e 40 anos), atingindo 5 a 7% da população ocidental. Dor freqüente, queimação na "boca" do estômago, que piora com o jejum e alivia quando o doente se alimenta, são os sintomas da doença. Também pode se manifestar em hemorragias e, em menor freqüência, por dor abdominal aguda.

Há pouco mais de duas décadas, a úlcera péptica era incurável e suas causas, desconhecidas. Seu aparecimento era associado a fatores emocionais e dietéticos, e o tratamento restringia-se a repouso e mudança de hábitos alimentares. Apesar dos estudos de grupos como os da Austrália e o da UFMG, não é raro ouvir que úlcera é doença de gente nervosa. "Não existe úlcera nervosa. O que pode ocorrer é dor e desconforto abdominal associados a situações emocionais, mas não à presença de úlcera", desmitifica o professor Luiz Gonzaga.

No Brasil, a Helicobacter pylori está ligada a mais de 95% dos casos de úlcera péptica. Já os outros 5% devem-se ao uso de antiinflamatórios ou analgésicos à base de ácido acetilsalicílico. O estudo dos australianos é tão importante, ressalta o professor Gonzaga, que uma enquete realizada em 1999, pelo periódico americano Journal of Clinical Gastroenterology, apontou a identificação da H. pylori como o maior avanço do século 20 na área de gastroenterologia.

A forma de contágio pela Helicobacter pylori não é de todo conhecida, mas pesquisas demonstram que a infecção é contraída ainda na infância, antes dos 10 anos. No Brasil, 70% da população possui a bactéria, mas somente 5% acabam desenvolvendo a úlcera, o que mostra que a Helicobacter, por si só, não leva ao aparecimento da doença, sendo necessária a combinação de outros fatores relacionados ao indivíduo e à própria bactéria.

A condição socioeconômica pode ser uma das causas. No Brasil, 50% das crianças de até 10 anos têm a bactéria; já na Suécia, esse índice entre crianças da mesma faixa etária é de apenas 3%. Fatores hereditários também influenciam o surgimento da úlcera. Estatísticas revelam que 44% das pessoas que apresentam úlcera têm alguém da família com a doença.


Pacientes se submetem a teste respiratório que detecta a presença da bactéria no estômago
Foto: Luiza Boaventura