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Nº 1534 - Ano 32
08.06.2006

Língua concreta (e afiada)

Miguel Arcanjo Prado

á 50 anos, o concretismo chegou à poesia brasileira. Os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, juntos com o poeta Décio Pignatari, entraram para a história como idealizadores da corrente que tentou valorizar a forma e a disposição da palavra na folha do papel, deixando o conteúdo da linguagem poética em segundo plano. A UFMG relembrou a data, em maio, na Jornada do Poema Concreto/Processso/Experimental, promovida pela Faculdade de Letras, que discutiu os rumos do movimento vanguardista e sua produção atual.
Eber Faioli

Gullar: o livro A luta corporal teria deflagrado o concretismo na poesia

Um dos protagonistas dessa história foi o escritor maranhense Ferreira Gullar que abriu as páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil para os poetas concretos. Do alto de seus 75 anos, ele minimiza, em entrevista exclusiva ao BOLETIM, o vanguardismo da poesia concretista. “Nunca pensei em ser vanguardista. Isso era coisa do pessoal de São Paulo”, diz este ex-locutor de rádio que também detona a a pretensão dos irmãos Campos de fazer poesia a partir de uma equação matemática ou inspirada nas curvas de Brasília.


Como foi sua participação no movimento concretista?

Em 1954, publiquei o livro A luta corporal, que termina com a implosão da linguagem. Então, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos entraram em contato comigo. Logo, o Augusto veio ao Rio, no começo de 1955. Eu me lembro que era Carnaval e que nos encontramos no Spaguetelândia, na Cinelândia, no centro da cidade. Nesse primeiro contato, conversamos sobre poesia, sobre esse meu livro. Eles perceberam que A luta corporal abria novos caminhos. Até então não havia surgido uma idéia de um “movimento concretista”, não existia nenhum projeto. Foi assim que tudo começou.
A arte concreta surgiu com Valdemar Cordeiro, começou no Rio, em 1950, na pintura e nas artes plásticas. Na época dos primeiros contatos, eu trabalhava no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, que era coordenado pelo Reynaldo Jardim. Eu cobria a área de artes plásticas. Então, surgiu entre nós a conversa de que o Suplemento fosse o veículo do movimento.

Foi aí que a poesia concreta ganhou força?
Sim. Em dezembro de 1956, houve, em São Paulo, a primeira Exposição Nacional de Arte Concreta, com pintores e poetas do Rio e de São Paulo. Ao destruir a sintaxe, meu livro deflagrou o movimento e abriu caminhos. Foi a partir dele, como já disse, que começou a troca de cartas entre eu e o Augusto.

Qual era a proposta do movimento?
Era preciso criar uma nova linguagem, uma nova sintaxe, que fosse multidirecional. Esse termo eu tirei da Rádio Timbira, de São Luís do Maranhão, onde trabalhei, e o locutor dizia: “Rádio Timbira, em ondas unidirecionais...” (risos). O poema teria de ser uma construção sem discurso, a junção de palavras numa página. Sem a sintaxe verbal e, sim, visual.

Vocês queriam ser vanguarda?
Nunca pensei em ser vanguardista! Isso era coisa do pessoal de São Paulo. Eu só aderi ao movimento, porque sabia que, se não entrasse, a minha obra seria assimilada por eles. Eu também estava em crise com a minha poesia, já que havia implodido a linguagem. Mas fiz a poesia concreta à minha maneira. O poema O formigueiro, que tinha mais de 50 páginas, foi um dos apresentados na exposição em São Paulo, em 1956.

Quando você se afastou dos irmãos Campos?
Isso foi em junho de 1957, quando houve o rompimento do grupo do Rio com o grupo de São Paulo. Eles tinham escrito uma espécie de “plano-piloto” da poesia concreta, inspirado em Brasília. Eu disse: “Isso é coisa de arquitetura!”. Depois o Augusto veio com um artigo, intitulado A matemática da composição, que dizia que a poesia concreta seria criada por meio de uma equação matemática. Eu achei aquilo tudo um grande absurdo! O Augusto me disse que eu não tinha nada a ver com aquilo. Bom, eu disse. Publicamos, sim, no Suplemento, mas com um texto ao lado, criticando. E assim foi. Publiquei o texto deles, mas, junto, coloquei o meu Poesia concreta: fenomenológica, com uma visão diferente. Afinal de contas, existe uma experiência individual de cada um com o mundo. Esse conhecimento é fonte da arte. Você acaba apreendendo os fenômenos pelos sentidos. Depois da publicação, houve a ruptura: de um lado, um grupo do Rio, do outro os paulistas.

Por que você não concordava com os argumentos de Augusto de Campos?
A poesia feita matematicamente é uma coisa absurda. Você não pode imaginar uma equação matemática determinando qual palavra vai entrar. Isso é uma grande bobagem filosófica. Os irmãos de Campos foram pretensiosos, donos da verdade. Eles jamais conseguiram fazer essa poesia matemática que propuseram.

E houve reconciliação?

Um ano depois, o Décio Pignatari, que fazia parte do grupo paulista, veio ao Rio, para um almoço comigo, na casa do Reynaldo Jardim. O Décio dizia que tinha umas idéias para um novo movimento. Segundo ele, a indústria brasileira, que sempre havia sido de bens de consumo, estava se tornando uma indústria de base. O mesmo deveria acontecer com a poesia. Eu disse: “Você já tem alguma poesia desse movimento?” Ao que ele respondeu: “Eu tenho um manifesto”. Pois eu retruquei: “Faça primeiro a poesia, que depois a gente publica”. Eles nunca fizeram. Isso é uma característica da vanguarda; o mais importante é o manifesto. A obra vem em segundo lugar.