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Nº 1547 - Ano 32
11.09.2006

UFMG intensifica política para incrementar transferência de tecnologia

Ana Maria Vieira

elo menos 30 tecnologias produzidas pela UFMG nos últimos anos ganham vitrine especial esta semana. Na platéia, além da própria comunidade universitária, vão circular representantes de empresas, agências de fomento e institutos de pesquisa. O encontro, agendado para esta quinta-feira, dia 14, pela Coordenadoria de Inovação e Transferência Tecnológica (CT&IT) e pela Fundep, recebeu o nome de Fórum de Tecnologias. Sediado na Reitoria e aberto ao público, ele abrirá canal inédito, na Universidade, de negociação e de troca de informação entre segmentos envolvidos no processo de inovação tecnológica.
Foca Lisboa

“Não nos interessa manter o monopólio de patentes e conhecimentos. Nosso papel é transferi-los para a sociedade”, diz o pró-reitor adjunto de Pesquisa e diretor da CT&IT, Rubén Dario Sinisterra Milan. Para ele, o Fórum marca etapa singular de investimento da UFMG no relacionamento com os agentes de inovação. Com 167 pedidos de patentes depositados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a Instituição obteve carta para três. No mercado externo, os registros alcançam 43 depósitos, e a concessão de nove cartas-patentes. A Universidade realizou ainda a transferência de 13 tecnologias para o setor produtivo – 90% delas da área de biotecnologia. “A UFMG é uma universidade empreendedora, ocupando o segundo posto no ranking de depósitos, atualmente liderado pela Unicamp”, lembra Rubén.

O processo de transferência apenas engatinha, mas já mostra resultados. Entre 2003 e 2005, a Universidade recebeu cerca de R$ 1 milhão em royalties, provenientes de licenciamentos de tecnologias produzidas em seus laboratórios. Conforme estabelece a Lei da Propriedade Industrial (9.279, de 14 de maio de 1996), editada em 1997, o valor deve ser dividido igualmente entre o pesquisador, sua unidade acadêmica e a instituição de ensino detentora da titularidade da invenção. O custo de manutenção de uma patente, no entanto, é bastante elevado. Apenas para realizar o depósito em cinco mercados internacionais, o valor gira em torno de 30 mil dólares – se esse processo ficar restrito ao Brasil, o custo é de 50 dólares.

Para o diretor da CT&IT, o objetivo de incrementar a proteção ao conhecimento por meio de patentes, em especial internacionais, deve, nesse aspecto, estar associado à sua transferência ao setor produtivo. “É necessário buscar recursos para dar sustentabilidade a esse sistema na universidade. Caso contrário, ficaremos no vermelho”, explica. A mais recente conquista é a carta-patente para kit diagnóstico de anemia eqüina, obtida nos Estados Unidos, em agosto. A pesquisa, desenvolvida desde 1993, no ICB e na Escola de Veterinária, é liderada pelo professor Paulo César Peregrino Ferreira.

Estranhos no ninho
A UFMG também está diante de novos desafios nessa área. “Precisamos intensificar a profissionalização e reduzir os prazos administrativos e burocráticos nos processos de transferência, para não perder o esforço já realizado de proteção ao conhecimento produzido na UFMG”, ressalta Rubén. O professor revela também que a Universidade se defronta com um novo perfil de candidatos a investidores privados. “Eles vêem no licenciamento de patentes a possibilidade de geração de novos negócios”, diz.
Felipe Zig

Rubén: transferência impõe novos desafios

Por desejarem atuar em ramos diversos dos seus, tais investidores, ligados aos setores financeiro e da construção civil, impõem demanda inédita à CT&IT, relativa à criação de modelos de negócio, cooperação e convênio entre os setores público e privado. “Como fazer negócio com um banco?”, pergunta Rubén, explicando, por seu turno, que é necessário criatividade e metodologia específica para realizar pesquisa e transferência de tecnologia com parceiros que não compartilham o mesmo know-how. “Eles querem entender tudo. Esse movimento em relação às universidades está se intensificando, devido a políticas federais de fomento à pesquisa e de incentivos fiscais a setores que investem em inovação tecnológica”, explica o professor.

Apesar desse ambiente favorável, o maior desafio é apresentado pelo próprio mercado. “Geração de conhecimento não é o bastante, até porque há um fosso tecnológico entre universidades e indústrias. O know-how disponível está além da capacidade das empresas de absorvê-lo”, diz Rubén.

“Falta-nos até mesmo fábricas com infra-estrutura certificada para produzir ração de cobaias usadas em pesquisas científicas”, confirma Márcio Falci, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Biolab Sanus, líder de vendas e prescrição no segmento de medicamentos cardiovasculares. Desde 2003, o grupo desenvolve patentes e aperfeiçoamentos de produtos com a UFMG.

O mesmo DNA
Setores como o de fármacos e de tecnologia da informação sofrem grande concorrência e obsolescência. Na área de medicamentos, qualquer inovação é superada em seis meses. Se o produto é um software, a defasagem chega com dois meses. A parceria com as universidades é considerada estratégica por empresas desses setores, identificadas como “demandantes” de conhecimento intensivo.

História bem-sucedida de transferência tecnológica na UFMG, a venda da Akwan Information Technology à Google, em 2005, despertou a atenção da mídia e de pesquisadores do país. A Akwan (termo em tupi que signfica ligeiro) foi criada, em 2000, por um grupo de professores do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade. Desde então, passou a fornecer serviços de busca para usuários finais e empresas no Brasil, como UOL e IG, além de ser responsável pelo site de buscas Todobr.com.

“A Google absorveu a marca, e com ela adquiriu a tecnologia e o mercado da Akwan”, diz um dos criadores da empresa, o professor Nívio Ziviani, ressaltando, contudo, que foi o capital intelectual da empresa mineira que atraiu os norte-americanos. “Temos o mesmo DNA da Google”, diz Nívio. “Nascemos em universidades de ponta, dominamos os mercados nacionais, contamos com capital inicial de investidores de risco e integramos um dos mais importantes grupos de pesquisa em recuperação da informação em todo o mundo”.

O processo de transferência tecnológica adotado pela empresa criada no DCC é identificado pelo professor como modelo para futuras parcerias. “A célula para formação de empreendimentos que utilizam o conhecimento intensivamente, a partir de grupos de pesquisa, é a própria universidade”, reflete Nívio, lembrando que a geração e a manutenção de uma tecnologia de ponta precisam ser constantemente realimentadas por novos estudos. “A tecnologia deve satisfazer o mercado”, ensina o pesquisador, explicando que o figurino de empreendedor exige “desconstruir” a figura clássica do professor: em vez de explicar ao mercado a excelência de sua tecnologia, é preciso, segundo expressão do professor Berthier Ribeiro, “ficar rouco de tanto ouvir” as necessidades dos clientes.

Estudo traça perfil da proteção científica no país

São muitos os caminhos existentes para realizar a transferência do conhecimento produzido na Universidade. Formação de recursos humanos, incubação de empresas, cooperação de pesquisa com empresas e realização de consultoria e assistência técnica em atividades de extensão são, provavelmente, os meios mais conhecidos e recorrentes utilizados pela Instituição. Os dois outros mecanismos – licenciamento e cessão de direitos de patentes – são mais recentes e polêmicos.

Segundo o doutorando em Economia pelo Cedeplar (Face/UFMG) Luciano Martins Costa Póvoa, o processo de patenteamento se intensificou com as mudanças introduzidas em 1996 pela nova lei de patentes, proteção de cultivares e programas de computador. Com o novo arcabouço legal, diz o pesquisador, “o Brasil passou a conceder, sem discriminação, patentes de medicamentos, alimentos e substâncias químicas, beneficiando as indústrias farmacêutica e de biotecnologia”. A lei anterior ( 5.772, de 1971) não concedia patentes a essas áreas. Com a alteração, universidades que possuem produção científica relevante em biologia e saúde, como a UFMG, alavancaram atividades de patenteamento.

No estudo Depósito de patentes de universidades brasileiras (1979-2004), Luciano aponta outros fatores que contribuíram para difundir o interesse pela propriedade intelectual entre os pesquisadores brasileiros, como o aumento do fluxo de informações e do intercâmbio de experiências na comunidade científica, o crescimento da publicação de artigos científicos e da cooperação com o setor industrial, além da organização de escritórios de patentes nas universidades.

O maior conhecimento sobre o que ocorria no exterior, lembra Luciano Póvoa, favoreceu de modo especial a discussão, na academia, de questões de ciência e tecnologia. O processo, marcante na primeira década de 1990, levou os professores, como afirma o doutorando, “a debater o fato de que parte dos resultados de suas pesquisas realizadas com recursos públicos não estava retornando em forma de benefícios para a sociedade”.

Em seu estudo, Luciano observa correlação entre crescimento do número de doutorandos – com o conseqüente incremento na publicação de artigos científicos – e as atividades de proteção ao conhecimento patrocinadas pelas universidades. Esses são os fatores que parecem, aos olhos do pesquisador, os que mais incrementaram o registro de patentes pelas universidades em bancos nacionais.

O cenário descrito por Luciano Póvoa mostra a liderança da Unicamp, UFMG, USP e UFRJ nesse processo: entre 1979 e 2004, as quatro foram responsáveis por 67,2% dos 1.165 depósitos de patentes feitos por universidades no Brasil. Quase metade deles (47,2%) foram registrados entre 2002 e 2004, indicando aumento recente da profissionalização dessas atividades nas instituições.