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Nº 1564 - Ano 33
5.2.2007
Verdadeira reforma do ensino superior*
Leandro R. Tessler**
anteprojeto de lei que estabelece
as normas gerais da educação superior, a chamada Lei de Reforma da Educação Superior está em discussão no Congresso Nacional. Consiste essencialmente em regulamentações e medidas administrativas para o sistema, sem fazer menção à razão de ser das instituições de ensino superior: a formação de pessoal qualificado.
Infelizmente, o Brasil ainda se encontra no século 19 em termos de estrutura acadêmica. Admitimos estudantes por meio de uma instituição única no mundo chamada vestibular. Cada candidato concorre a uma vaga em um curso de graduação determinado. Em algumas universidades grandes, são mais de cem opções.
Enquanto isso, na parte do mundo que proporciona acesso igualitário à educação superior de qualidade, a realidade é outra. Na Europa, o processo de Bolonha propõe-se a dividir a educação superior em três ciclos: o primeiro, geral, com três anos de duração, seguido de uma formação profissional de um a três anos e um doutorado para quem quiser se tornar pesquisador.
Nos EUA, a educação superior começa com o ingresso em um college dedicado a uma grande área do conhecimento. Após uma formação inicial geral de dois a três anos, os estudantes continuam sua formação profissional. Além disso, uma extensa rede de colleges comunitários, instituições não-universitárias de ensino superior que oferecem cursos de curta duração, detêm quase metade do total de matrículas. Nada impede os egressos desses colleges de continuar seus estudos em universidades.
Há um consenso internacional de que a formação superior inicial deve ser geral, aberta e flexível. Isso é o oposto do que é praticado mesmo nas mais prestigiadas instituições brasileiras: cursos de graduação com currículos estanques, numa concepção fragmentadora do conhecimento, sobrecarga de aulas, especialização precoce, pouca articulação entre graduação e pós-graduação. No Brasil acadêmico atual, é praticamente impossível encontrar tempo para que um estudante de engenharia tenha acesso à filosofia ou para que um estudante de arte se delicie com os fundamentos da matemática superior ou a beleza do código genético. Além da óbvia limitação acadêmica, o modelo é altamente ineficiente. A especialização precoce exige disciplinas específicas para cada curso de graduação, proporcionando uma formação bitolada e um desperdício de recursos. Para piorar, temos um modelo institucional quase único: as universidades, numa concepção ultrapassada que associa qualidade de formação com pesquisa e geração do conhecimento. Expandir esse modelo tem um custo proibitivo.
Como a expansão do sistema público de ensino superior é uma prioridade dos governos federal e estadual, é preciso buscar alternativas. Um projeto ambicioso vem sendo chamado de Universidade Nova pelo seu proponente, o reitor Naomar de Almeida Filho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e já está em discussão em várias universidades federais.
Ele contém pelo menos parte da solução para o problema, formulando uma estrutura acadêmica revolucionária para o Brasil, apesar de muito próxima dos melhores sistemas de ensino superior do mundo.
Na Universidade Nova, os estudantes ingressam no que foi chamado de bacharelado interdisciplinar (BI). Com duração de três anos, a formação nos BIs contemplará grandes áreas do conhecimento. Nada de criar ciclos básicos, há muito superados, mas estruturar cursos-tronco que se estenderão ao longo dos três anos sobre assuntos fundamentais. Os módulos de formação obrigatórios constituirão no máximo um terço do currículo. Pelo menos outro terço deverá ser feito fora da grande área, motivando uma visão mais abrangente de mundo.
Ao fim dos três anos, o bacharel interdisciplinar poderá continuar sua formação profissional específica por mais um a três anos, dependendo da graduação escolhida. O critério de seleção para a etapa de formação profissional levará em conta o desempenho acadêmico durante o BI, em lugar de apenas considerar o desempenho no vestibular.
O eventual ingresso nos cursos de pós-graduação ocorrerá após a formação profissional ou imediatamente após o BI para alunos excepcionalmente talentosos. A estrutura modular da Universidade Nova permite a criação de instituições públicas e privadas de ensino superior que ofereçam apenas os BIs.
Outras instituições poderão oferecer apenas a formação profissional ou a pós-graduação. As universidades oferecerão todas as etapas. A possibilidade de transferência entre instituições ao longo da graduação abre possibilidades inéditas, incluindo aí intercâmbios nacionais ou internacionais. Por certo, muitas questões ainda estão abertas e precisam ser discutidas e esclarecidas. No entanto, o projeto da Universidade Nova deve ser acompanhado de perto pelos responsáveis pela gestão da educação superior no país e no Estado. Ele tem um excelente potencial para combinar um ensino moderno e de melhor qualidade com a expansão responsável e economicamente viável do sistema. É precisamente isso que devemos esperar de uma reforma da educação superior.
*Artigo publicado na Folha de S. Paulo, de 18 de janeiro de 2007
** Doutor em física, é coordenador-executivo da Comissão de Vestibulares
da Unicamp
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