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Nº 1572 - Ano 33
9.4.2007

entrevista Wildson Luiz Pereira dos Santos

Por uma química cidadã

Ana Maria Vieira

wildson luiz pereira dos santos
Wildson dos Santos: uso social da ciência

Há seis anos, o professor Wildson Luiz Pereira dos Santos, da Universidade de Brasília (UnB), recebeu o Prêmio Jabuti na modalidade Livro didático para o ensino fundamental e médio pela edição de Química e Sociedade. A obra, organizada em parceria com o professor Gerson Mol, nasceu a partir de projeto da Universidade que oferecia curso para professores do Distrito Federal. A idéia era abordar educação em química para a cidadania. Ao final do trabalho, como não havia material didático nessa perspectiva, convidaram seus “alunos” a produzi-lo. Eles aceitaram o desafio, e os textos foram aplicados em sala de aula à medida em que eram redigidos. “Nosso objetivo é permitir que o estudante faça uma leitura do conhecimento dentro de uma prática social. Usamos a concepção de temas geradores, na linha de Paulo Freire”, diz Wildson dos Santos, licenciado em Química pela UnB e doutor em Educação pela UFMG. Ele esteve na Universidade no final de março para participar da Semana de Estudos de Química. Na ocasião, recebeu a reportagem do BOLETIM para a seguinte entrevista.

Que deficiências do ensino e aprendizagem nessa área inspiraram a proposta de abordagem do livro Química e Sociedade?

Um dos problemas no ensino de química é que ela trabalha com conceitos abstratos. Para o aluno, isso traz muito mais dificuldades do que o ensino que parte de temas mais concretos para chegar, mais tarde, a percepções elaboradas e avançadas. Mas o que temos pesquisado é, sobretudo, o papel da educação no nível básico. A maior parte dos alunos nunca mais vai estudar Química após o vestibular. Só que eles utilizam produtos químicos diariamente. Por isso, precisam ter acesso a várias informações para saber como usá-los, o que a escola não oferece de forma satisfatória.

Por que isso não ocorre?

No Brasil, a educação começou de cima para baixo. Primeiro, foi criada a escola superior e depois a de ensino médio, instaurando uma tradição em que a educação no nível secundário se destina ao ensino preparatório para o vestibular. Por esse motivo, são cobradas questões abstratas e acadêmicas. A expansão escolar, sobretudo na década de 70, ocorreu em meio a um processo que dificultou o trabalho do professor, obrigando-o a cumprir carga horária muito maior para um número também crescente de alunos. O contexto escolar favoreceu o ensino conteudista, que se limita a oferecer determinados algoritmos para a resolução de questões numa prova.

Ultimamente, a discussão dos problemas ambientais ou das ameaças decorrentes das tecnologias passou a ser feita em fóruns mais amplos, como a imprensa e o parlamento, o que permitiu difundir a percepção sobre danos e direitos. A população sabe que o detergente polui as águas, mas desconhece o motivo. O que falta não é domínio conceitual?

Você apontou uma questão importante, que é sobre o papel da imprensa. A escola deixou de trabalhar esses conhecimentos, que são fundamentais, e transferiu a tarefa para a imprensa, que passa uma imagem negativa da química. Para a população, a química está aí para destruir. Temos de resgatar o papel da área e mostrar como ela tem contribuído para buscar respostas aos problemas gerados pelo uso dos produtos químicos. Durante muito tempo, os livros didáticos não faziam qualquer menção à aplicação dos conceitos da química. De uns 20 anos para cá, todos eles passaram a apresentar fotos ilustrando aplicações. Mas não passa disso. Muitas vezes, o aluno não compreende o conceito nem possui reflexão sobre o tema. É preciso divulgar o assunto, informar e explicar como a ciência se posiciona e como os conceitos científicos permitem fazer nova leitura. É preciso refletir sobre a ciência na sociedade e o modelo de desenvolvimento tecnológico que desejamos.

É possível traçar um novo percurso?

Não se muda a ciência e a tecnologia simplesmente com a introdução de novas técnicas ou com investimentos. Sem participação social não há mudanças. A sociedade é uma grande consumidora das tecnologias. Em países do primeiro mundo, há legislações ambientalistas rigorosas que impedem a instalação de uma série de indústrias. Mas elas migraram para países onde não há esse controle. Enquanto não houver, em todo o planeta, sociedades reivindicando leis mais adequadas para o meio ambiente, os problemas simplesmente vão se transferir de um local para outro.

O senhor faz uma distinção entre alfabetização e letramento científico. Como definir os dois conceitos?

Usamos alfabetização em lugar de letramento porque o primeiro termo é mais conhecido pelas pessoas. Quando falo em letramento, quero resgatar e reforçar o uso social da ciência. Na ciência lingüística e na educação, alfabetização é o ato de ensinar, ler e escrever. Já o letramento está associado à prática social da leitura. Assim, o conceito de alfabetização científica está restrito à compreensão do vocabulário científico. Mas, ao discutir letramento científico, busco levar o ensino de ciência, química e física para a prática social. Isso permite que o aluno estabeleça outra relação com as tecnologias.

Na ciência, quem se dedica às discussões sobre seu ensino ou divulgação não tem o mesmo status de um pesquisador de bancada. Há desvalorização nessa área?

O ensino de química é uma área que se consolidou, inclusive aqui na UFMG. Mas, de fato, o peso do paper na vida acadêmica é muito maior do que o do livro didático. Só que o tempo todo as questões sociais demandam a presença do cientista, sempre convidado a dar explicações sobre os fenômenos.