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Nº 1580 - Ano 33
2.9.2007

entrevista

Eduardo Osório Cisalpino

“E nós sobrevivemos”

Tatiana Santos

Foca Lisboa
Neusa Rodrigues
Cisalpino: conflito com o regime militar

E studantes presos, professores cassados, unidades invadidas. Em meio a esse clima turbulento, o professor Eduardo Osório Cisalpino assumiu, em 1974, a tarefa de consolidar uma reforma universitária imposta pelo governo militar. “Nós vivíamos mais no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do que na Reitoria”, conta o professor emérito, que mantém vínculo de mais de 40 anos com a universidade.
Nesta segunda entrevista da série que o BOLETIM publica com ex-reitores, Cisalpino analisa a universidade de seu tempo – marcada pela conflituosa relação com o regime militar – , a de hoje e a que imagina no futuro.

Como era a Universidade durante a sua gestão como reitor?
No período em que fui reitor, vivíamos um regime ditatorial imposto pelos militares. Todos ainda estavam traumatizados com a intervenção do governo na Universidade, que afastou o professor Aloísio Pimenta, em 1964, e colocou o coronel Expedito Orsi Pimenta como reitor durante alguns dias. Tivemos professores e estudantes presos e invasões no campus. Essa experiência não foi nenhum pesadelo, aconteceu de fato e nós sobrevivemos. Fui reitor durante o período mais duro da repressão. E era muito desagradável ser visto pelos estudantes como representante do governo na Universidade, quando eu era, na verdade, representante da UFMG junto ao governo.

Como se deu a escolha do seu nome?
Naquele tempo, os orgãos de segurança do Estado elaboravam uma ficha com informações sobre os candidatos e o governo analisava a lista de nomes. Quem a encabeçava não era, necessariamente, o vencedor. O governo poderia escolher o último da lista ou mesmo recusar os nomes indicados. Eu fui nomeado pelo Médici. Até os diretores das escolas, que hoje são nomeados pelo reitor, eram escolhidos pelo presidente da República. Havia um consenso interno sobre o meu nome, mas demorei a ser aprovado porque havia, no governo, gente contrária à minha indicação. E na época não podíamos fazer campanha; se fizéssemos, iríamos presos. A reunião era na casa dos colegas porque a repressão corria solta.

Houve muita interferência na sua gestão?
Quando Aluísio Pimenta começou a implantar a reforma universitária aprovada pelo Conselho Universitário da UFMG, o governo federal resolveu implantar outra, que uniformizava o sistema de ensino superior do país. A nossa reforma foi violada, mas o espírito das duas era o mesmo: a modernização da universidade. Só que a implementação do projeto pelo governo foi intempestiva, não respeitou a índole de cada instituição. A reforma previa a economia de recursos humanos e materiais, a organização da universidade em departamentos e a transferência das cátedras para um espaço comum. Assim nasceram os institutos básicos: todas as cátedras de química, física e matemática foram para o Icex; e as de microbiologia, fisiologia e bioquímica para o ICB. O espírito das duas reformas viabilizou a pós-graduação e o encontro dos especialistas, o que melhorou a pesquisa e o ensino. A atual estrutura da Universidade foi implantada pela reforma militar, que também previa o regime de dedicação exclusiva e a profissionalização do professor. Com isso, os grupos mais qualificados implantaram a pós-graduação, surgindo daí os cursos stricto sensu.

Não houve problemas?
O governo não ficou satisfeito e criou um caos com a expansão de matrículas. A Faculdade de Medicina, que oferecia 80 vagas, passou a ter 320. As aulas eram dadas no anfiteatro, pois a UFMG não tinha estrutura nem dinheiro para receber tantos alunos. Nos quatro anos que passei na Reitoria, trabalhamos para pôr ordem no ensino de Medicina, que precisou ser reestruturado. O governo também impôs o vestibular único, que passou a ser realizado no Mineirão.

Outra problema criado pelo governo foi o Decreto-Lei 200. Ele nos estrangulava, pois qualquer recurso captado pela Universidade não poderia ser executado com a flexibilidade necessária, porque o dinheiro estava amarrado a uma contabilidade pública arcaica. Para contorná-lo, criamos a Fundep, que assumiu a gestão dos recursos, tornando possível expandir a pesquisa. Depois, outras universidades também criaram suas Fundeps.
Fora esses problemas, de vez em quando acontecia uma greve, uma correria, e a polícia invadia o campus. Durante o III Encontro Nacional dos Estudantes, a polícia cercou o campus Saúde e levou cerca de 400 alunos para a Gameleira. Passei a noite com eles esperando que todos fossem identificados e liberados. Nossa história registra grande capacidade para resistir às agressões, mantendo vivo o ideal de nossos fundadores: Incipit vita nova.

Como o senhor vê a UFMG hoje?
Todos os reitores tiveram grande preocupação com a construção do campus Pampulha e, para a nossa alegria, ele está praticamente terminado. Na minha gestão, dobramos a área construída do campus, terminamos o ICB, parte do Icex e ampliamos a urbanização e a infra-estrutra do campus.

Hoje, o nosso forte é a pesquisa. Nossa pós-graduação está entre as melhores do país e a formação do corpo docente melhorou muito. Quando entrei no ICB, éramos dois professores com doutorado num universo de 30. Alguns professores da Música e da Escola de Belas-Artes sequer tinham curso superior. Hoje muitos têm pós-doutorado.

Como o senhor imagina a universidade daqui a 80 anos?
Se depender de nossa comunidade universitária, seremos uma grande universidade. Nosso futuro está nas relações com empresas, o que já é feito pela Inova e o pojeto do BH-TEC, e com a sociedade, em processos de interiorização como o campus de Montes Claros. Só tenho medo que a Universidade se torne uma instituição medíocre, por depender excessivamente dos humores do governo federal.