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Nº 1595 - Ano 34
17.12.2007

Reflexões sobre o uso de animais de laboratório*

Renato Sérgio Balão Cordeiro**

A humanidade vive momento especial de grandes avanços na área da ciência e tecnologia e inovação, com destaque para as descobertas com impactos positivos para a saúde humana. O Nobel 2007 de Medicina e Fisiologia premiou os cientistas Mario Capecchi, Oliver Smithies e Martin J. Evans em virtude de trabalhos fundamentais que levaram ao desenvolvimento de método que permite a manipulação de genes específicos em camundongos de laboratório, com ajuda de células-tronco.

Baseadas nessa nova metodologia, investigações básicas e aplicadas estão abrindo novos horizontes e esperanças nos campos do câncer, diabetes, fibrose cística, insuficiência cardíaca e outras patologias. Embora técnicas altamente sofisticadas e equipamentos com tecnologia de ponta sejam necessários para a realização de pesquisas em virtude da complexidade da célula biológica, o uso de animais de laboratório ainda é necessário para sua consecução.

Há, entretanto, grande expectativa na comunidade científica de que, no futuro, com a descoberta de novas metodologias e equipamentos, métodos alternativos sejam viáveis e os animais deixem de ser utilizados na atividade científica. Atualmente, porém, somente em poucos casos a biologia celular e molecular, mediante técnicas de cultura de tecidos, oferece essa possibilidade.

Na história da medicina, descobertas fundamentais foram realizadas, milhões de mortes evitadas e a expectativa de vida foi aumentada graças à utilização dos animais em pesquisas. A descoberta de vacinas contra a pólio, o sarampo, a difteria, o tétano, a hepatite, a febre amarela e a meningite são exemplos disso. A lista não pára aí: testes com animais foram essenciais para o advento de anestésicos, de antibióticos, de fármacos para o controle da hipertensão arterial, da dor e da asma, para tratamento da ansiedade e dos distúrbios do sono e para o desenvolvimento de antiinflamatórios, antidepressivos, quimioterápicos e hormônios anticoncepcionais.

Na história da medicina, descobertas fundamentais foram realizadas, milhões de mortes evitadas e a expectativa de vida foi aumentada graças à utilização dos animais em pesquisas.

Usaríamos a página inteira desta publicação para citar outros exemplos de avanços na saúde pública propiciados pelos animais de laboratório.
Neste momento, intensos esforços estão sendo desenvolvidos nos laboratórios visando à descoberta de vacinas para a temida gripe aviária, Aids, malária, dengue, tuberculose, em estudos com células-tronco e no desenvolvimento de fármacos provenientes de produtos naturais ou síntese química. Para que as pesquisas como essas usando animais de laboratório sejam aprovadas e desenvolvidas, o pesquisador tem que submeter seus protocolos e projetos a rígidos processos de análise dos comitês de ética no uso de animais de laboratório existentes nas instituições brasileiras.

Esses colegiados têm princípios básicos bem explicitados, verdadeiros dogmas, que dizem que a dor e o sofrimento desnecessários são inaceitáveis. Deve-se escolher, sempre que possível, métodos alternativos, ou seja, formas de estudo que não utilizem animais. É recomendada ainda a utilização do menor número de animais necessários para obtenção de resultados válidos. A utilização de animais em pesquisa também precisa estar condicionada à relevância científica e à adequação do método de estudo. Fora isso, o pesquisador deve ser treinado para fazer experimentação em animais e ser responsável pelo seu bom uso.O transporte, as acomodações e o trato dos animais devem ser feitos com o mínimo de estresse, de forma que seu equilíbrio biológico seja preservado.

A competência das comissões de ética está bem regulamentada no Projeto de Lei (PL) 1.153/95, do saudoso deputado federal Sergio Arouca, e seu apenso, o PL 3.964/97 do Poder Executivo, em tramitação no Congresso Nacional, que estabelece critérios para a criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no Brasil. São projetos de lei criteriosos, que criam o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que terá como competência “expedir e fazer cumprir normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica”, e credenciará instituições brasileiras “para a criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica”.

Farão parte do Concea representantes de sociedades e instituições científicas, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Academia Brasileira de Ciências (ABC), de universidades e das sociedades protetoras de animais. Está pronto para votação no plenário da Câmara dos Deputados em Brasília. Será uma grande contribuição do parlamento para o futuro da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, com a importante participação de diferentes segmentos da sociedade.

* Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de 1o de dezembro
** Pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

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