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Nº 1595 - Ano 34
17.12.2007

Dos "cirurgiões-barbeiros" aos dentes
para sempre

Professores da UFMG contam em livro comemorativo a história da Odontologia no Brasil

Itamar Rigueira Jr.

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Não chega a ser novidade para muita gente que os barbeiros – que também faziam sangrias e amolavam facas e espadas – trataram dos dentes alheios durante muito tempo, com a concorrência de alguns outros práticos. Mas essa informação aparece agora, amplamente documentada, ao lado de muitas outras, no livro Odontologia – História Restaurada, lançado pela Editora UFMG para celebrar os 100 anos da Faculdade de Odontologia da Universidade.

Organizada por quatro professoras do departamento de História da Fafich, a obra refaz o percurso da Odontologia no Brasil – do período colonial à prática científica sofisticada (e humanizada) da Faculdade de Odontologia da UFMG. “Um projeto desse tipo passa pela tentação de se concentrar nos homens e na instituição. Preferimos atender a uma demanda atual, que é pela história mais ampla da área de conhecimento”, conta a professora Betânia Gonçalves Figueiredo, uma das organizadoras do livro.

O resultado é uma surpresa para quem nunca imaginou abrir um livro sobre o tema. O leitor passa a conhecer detalhes de uma prática que era misturada ao ramo popular da medicina, quando tratar dos dentes significava quase sempre extraí-los. Por outro lado, muito antes do que se possa pensar, o estado dos dentes já era associado à saúde e ao ideal de beleza, o que incluía os escravos, avaliados – como muito já se viu em novelas de época – pelo aspecto da boca. Para diminuir a dor, os práticos também lançavam mão de recursos do mundo animal, vegetal e mineral.

Algumas substâncias, provou-se mais tarde, tinham efeito real, como o cravo-da-índia, dotada de propriedades antiinflamatórias. Outras agiam com a ajuda da auto-sugestão – o que, por sinal, também tem respaldo em estudos recentes sobre o poder da fé e do estado de espírito para a prevenção e a cura de doenças.

Responsável pela pesquisa relativa à época do Brasil Colônia, a professora Júnia Ferreira Furtado surpreendeu-se com a quantidade de informações disponíveis em livros e arquivos. “Imaginei dificuldades na busca por registros sobre o tema, mas bastou um outro olhar para encontrar relatos e menções, inclusive em documentos sobre outros assuntos”, explica Júnia.

Sua pesquisa deteve-se, entre diversos outros episódios, sobre a fama do alferes Joaquim José da Silva Xavier, que entrou para a História com um apelido que faz todo o sentido. Tiradentes aprendeu o ofício com o padrinho e era um dos muitos “cirurgiões” que atendiam à volumosa população das Minas Gerais do século 18.

Explosão de tecnologia

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Os antigos "cirurgiões" faziam dentaduras retidas por molas (acima) e usavam instrumentos como o pelicano, para extrair dentes

No século 19, a anestesia e o conhecimento das bactérias e do valor da higiene ajudaram a pôr a Odontologia no rumo da profissionalização e do estabelecimento como campo autônomo no Brasil. A preocupação com a saúde bucal era crescente, mas os dentistas sofreriam ainda por bom tempo o preconceito contra os que trabalhavam com as mãos, típico de sociedade escravocrata. O primeiro curso de Odontologia no país, de 1884, era anexo ao curso de Medicina e tinha duração de dois anos.

Trilhando seu caminho, “a Odontologia passou de mutiladora a curativa, evoluindo para uma prática cada vez mais preventiva e alcançando, já no fim do século (passado), abordagem voltada para a promoção da saúde bucal integrada à busca da qualidade de vida”, como descreve o capítulo 4 de Odontologia – História Restaurada. Junto com a expectativa de vida, aumentaram também as possibilidades de se chegar à velhice com os dentes naturais, sem recorrer às famigeradas dentaduras – que existem, aliás, há muito tempo, e já foram feitas com dentes de outros animais, outros ossos e até madeira.

Segundo a professora Betânia Figueiredo, a Odontologia viveu, a partir de meados do século 20, uma “explosão de tecnologia”. E ao longo das últimas décadas, acrescenta, “deixou de ser intervenção pontual para trabalhar com o corpo como sistema, percebendo que a cárie pode ser causada por múltiplos fatores”.

Atenção humanizada

A Faculdade de Odontologia da UFMG aparece com louvor na história do desenvolvimento da ciência no Brasil e chega em plena forma ao século 21. A escola esteve na vanguarda ao promover a alteração do perfil do profissional formado na graduação, que deve atender à demanda crescente das políticas de saúde pública. Como afirmam em seu texto as professoras da Odontologia Laura Helena Machado Martins, Helenaura Machado Carvalhais e Marisa Maia Drumond, a Faculdade segue convicta de que deve capacitar profissionais sensíveis e prontos para “uma atenção integral mais humanizada”.

Ao transcender a própria trajetória e resgatar uma história tão rica e relevante, o livro que marca o centenário da Faculdade de Odontologia funciona – com a licença da imagem fácil – como um sorriso de boas-vindas a um futuro que se promete ainda mais brilhante.

Livro: Odontologia – História Restaurada Organizadoras: Heloisa Starling, Betânia Gonçalves Figueiredo, Júnia Ferreira Furtado e Lígia Beatriz de Paula Germano
Parceria institucional: Reitoria, Faculdade de Odontologia, Projeto República e Centro de Memória e Patrimônio Cultural da UFMG
Edição: Editora UFMG
Vendas: Livrarias UFMG e www.editoraufmg.com.br
Preço: R$ 85,00