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Nº 1610 - Ano 34
16.05.2008

Te extraño...

Denise Moraes Pimenta*

A edição do BOLETIM, de 7 de abril de 2008, trouxe, na seção Opinião, a felicidade clandestina da bibliotecária Marília e dos aventureiros literários do Carro-Biblioteca. A felicidade escondida daquelas linhas me suscitou lembranças da saudade de um lugar encantado: o Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. É conhecido como Horto pelos moradores da vizinhança, no bairro Santa Inês, e antigos moradores de Belo Horizonte, como Pipiripau pelas crianças, ou simplesmente como museu por seus monitores de educação ambiental, alunos dos mais variados cursos da Universidade. Esta última denominação – 'museu' – é impregnada de múltiplas percepções e sentimentos.

Além do relato de Marília, acontecia na Reitoria da UFMG, de 14 a 17 de abril, o Seminário Internacional Ciência e Museologia: Universo Imaginário. Um encontro sobre a experiência museal relacionada com educação, arte, estética, além de outras questões relevantes para a área. Havia saudade do Museu por toda parte, as lembranças emergiam. “De todas as minhas lembranças de menina, a mais viva está guardada nesta caixinha de fósforos. Toda vez que abro a caixa a lembrança explode inteira, livre com todas as cores... Acordei sorrindo, com todos os gostos das minhas lembranças na boca” (Sonia Robatto).

A saudade, segundo o antropólogo Roberto DaMatta, é uma característica básica de nossa existência coletiva, uma construção cultural, uma categoria sociológica intensa e profunda. Alguns afirmam que só luso-brasileiros poderiam realmente sentir saudade justamente por terem a palavra em seu vocabulário; outros acreditam que o sentimento de saudade é universal. Aqui não se pretende tomar nenhuma posição a respeito de tal discussão – universal ou particular? Tanto o “sentir saudades”, do português, quanto o extrañar, do espanhol, ou mesmo o "to miss", do inglês, podem explicitar o que D. Francisco Manuel de Mello dizia: O amor e a ausência são os pais da saudade. A saudade tem como periodicidade um tempo encantado e lento, tempo do deixar-se refestelar em uma rede com um olhar distante para um horizonte longínqüo; ou como a moça de vestido azul e branco do quadro de Salvador Dali – Rapariga de Pé à Janela – olhando para um mar sem fim.

Como escreve DaMatta em seu artigo Antropologia da saudade, a saudade é uma duração poeticamente vivida e esteticamente apreendida. Ela é um tempo mágico de pessoas, lugares e relações especiais. É neste tempo que habita o Museu para vários ex-monitores. Saudade do que especificamente? Parece que, quando ficávamos lá, encostados no parapeito de madeira do alpendre do Presépio do Pipiripau, olhando para a lagoa, já sentíamos saudades daquilo tudo. O que o Museu de História Natural e Jardim Botânico nos ensinou?

O museu é um espaço da diversidade, que garante uma rica troca de experiências entre monitores, visitantes e grupos de escolas públicas e particulares. Pode possibilitar a seus monitores uma outra percepção sobre a educação ambiental, ampliando o entendimento de que esta não é somente ecologia, abrangendo também aspectos cósmicos, folclóricos, geográficos, históricos, sociais, culturais, científicos... Perpassa um cotidiano multifacetado e dinâmico. Promove dessa maneira um olhar outro sobre a educação, em que se destaca o ato de educar – ensinar e aprender – como uma experiência participativa com e através do afeto.
O Museu de História Natural e Jardim Botânico privilegia uma educação que leva o lúdico (brincadeiras, cores, pigmentos, pinturas, desenhos), a criatividade e a experimentação a sério. Valoriza-se a educação do inquietante, das descobertas, da curiosidade. Os monitores buscam educar o olhar das crianças e dos demais visitantes para o sensível, tendo o afeto como tecnologia de aprendizagem e o imaginário como método.

Afinal, a imaginação é uma forma de inteligência que motiva e desperta curiosidades, descobertas e muitas questões. Como bem lembra Edgar Morin: “o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, da curiosidade e da paixão”.
É um lugar que respeita o onírico e o fantástico, elementos constitutivos da formação das crianças, e confere relevância à perspectiva do imaginário no processo da educação e da experiência museal. O imaginário e o fantástico não se opõem ao realismo. Pelo contrário: complementam o real; o imaginário é o motor deste. A imaginação não causa alienação, e sim, possibilita beleza, criatividade e atitude crítica.

A educação pelo afeto respeita as várias perspectivas imaginárias. Existem diferentes referências, inúmeros modos de ver, e este é apenas o meu ponto de vista imaginário sobre o Museu. Sempre o vi como uma floresta encantada. Ex-monitores, monitores, funcionários e visitantes também têm suas percepções. O passeio pelo museu permite uma situação pedagógica rica, uma ampliação de contexto e o encantamento com um mundo outro. O Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG pode causar uma experiência vívida de afeto e de saudade. Refestelo-me aqui, na minha janela, olhando o horizonte sem fim e penso: te extrãno, te extraño...

*Aluna do curso de Ciências Sociais da UFMG

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