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Nº 1611 - Ano 34
26.05.2008

Responsabilidade social?

François Xavier-Berthou, Priscila Augusta Lima e Rozangela Gontijo*

A mídia tem freqüentemente veiculado a expressão “responsabilidade social”. Em reuniões do Grupo de Estudos de Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine), iniciamos uma reflexão sobre os entendimentos possíveis do termo. De acordo com o dicionário, responsável é aquele que responde por seus atos. Responsabilidade, no aspecto jurídico, é a capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade.

Outra definição apresentada aos participantes do grupo: “Uma empresa é socialmente responsável quando consegue gerar valor não apenas para seus proprietários e acionistas, mas sim para todos os demais públicos com os quais ela se relaciona: empregados, fornecedores, clientes, governo, meio ambiente e comunidade” (Instituto Ethos, 2001).

Esta conceituação nos levou a refletir sobre algumas ações sociais adotadas por empresas: funcionário de um banco fez contato por telefone com membro do nosso grupo solicitando ajuda financeira para um hospital especializado no tratamento de crianças com câncer. O solicitante recebeu como resposta que a cidadã que o atendia pagava imposto de renda e CPMF (em 2007), entendendo ser papel do Estado, com os impostos que arrecada, atuar diretamente para solucionar este grave problema.

Em discussões posteriores, recordamos diversas situações nas quais empresas fazem solicitações: seja no caixa de supermercado no momento do pagamento de um produto, quando é solicitado que parte do troco seja revertido para determinado hospital, seja a empresa do ramo siderúrgico que estimula doações do Imposto de Renda de pessoa física (6%) e pessoa jurídica (1%). Considerando que a mesma empresa contribui com 1%, acaba organizando um fundo que recolhe milhões. O dinheiro é destinado, segundo a siderúrgica, a instituições que promovem ações sociais. Como é organizado esse fundo? É feita uma prestação de contas? Como essa ação social se relaciona com o imposto de renda devido pela empresa?

Em outra situação, uma empresa multinacional vende sanduíches e se propõe a ajudar hospitais ameaçados de fechar por falta de recursos. Porém, vários nutricionistas afirmam que seu produto não é uma alimentação saudável para as crianças – seu maior público e que recebe, muitas vezes, um brinquedo associado ao sanduíche. Outra empresa veiculou publicidade em um ônibus: compre uma fatia de pizza e ajude um deficiente físico. Deixou implícita a idéia de incapacidade do sujeito. A associação dos produtos das empresas com as pessoas com necessidades especiais pode gerar simpatias devido à causa da inclusão escolar ou profissional. Pode ajudar a vender e a lucrar mais. A definição de responsabilidade social citada no início deste artigo envolve preservação das pessoas e do meio ambiente.

Em artigo publicado na edição 1.476 do BOLETIM (17/03/2005), abordamos o estímulo à construção de uma mentalidade inclusiva capaz de afirmar as possibilidades das pessoas com deficiências. Em vez de serem transformadas em alvos de política ou propaganda assistencialista, elas precisam de oportunidades, qualificação profissional e do efetivo cumprimento da Lei de Cotas. Já participamos de muitos eventos organizados por instituições que se dizem adeptas da responsabilidade social. A expressão nos trouxe inquietações, que apresentamos a seguir:
O fato de algumas empresas realizarem ações assistenciais nomeando-as de responsabilidade social significa que terão um desconto no imposto de renda a pagar? Às empresas do sistema capitalista “tradicional” cabe comprar mão-de-obra, ou seja, oferecer trabalho e salário adequado. Qual é o significado da expressão responsabilidade social para bancos com grandes lucros que divulgam na mídia programas e ações sociais, ao mesmo tempo em que vivem às voltas com greve de funcionários ou com correntistas insatisfeitos com o alto preço das tarifas e com as enormes filas de espera? O papel de uma empresa – ou sua responsabilidade social – não seria gerar empregos com salários compatíveis, cumprir a lei de cotas e prover atendimento adequado ao usuário?

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi criada em setembro de 1996 pela Emenda Constitucional 12. Sua arrecadação era da ordem de R$ 30 bilhões anuais. O parágrafo terceiro da Emenda previa que o resultado da arrecadação da contribuição seria destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde para financiamento das ações e serviços da área.

O papel do Estado é organizar a sociedade, cuidar da saúde pública, da educação e da segurança a partir de impostos recolhidos. Se ele deixa de cumprir essa função, permite que grupos da sociedade civil e empresas desenvolvam algum tipo de assistência gerando a submissão dos sujeitos assistidos. As empresas buscam o lucro e o aumento do seu capital. Nesta perspectiva, como podem realizar práticas de responsabilidade social ou mesmo assistencialistas?

Diante dessas dúvidas, consideramos importante o Seminário sobre Responsabilidade Social ocorrido na UFMG há dois anos. A partir dele desenvolvemos reflexões, objetivando elaborar com clareza as diferentes compreensões sobre a responsabilidade: ela é com o lucro ou com o planeta, a sociedade e as pessoas?

*Integrantes do Grupo de Estudos de Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine-FAE)

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