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Nº 1611 - Ano 34
26.05.2008

Dissertação associa estresse
fisiológico a ausência de cabelo

Desgaste físico é maior entre atletas que, sob o sol, se exercitam com a cabeça raspada

Luiz Dumont Jr.

Leonardo Coelho
atleta
Atleta submetido a exercício físico com e sem cabelo: cabeça raspada favorece aumento do estresse fisiológico

O folclórico jornalista João Saldanha, que treinou a seleção brasileira nas Eliminatórias da Copa de 1970, não gostava de convocar jogadores que usavam cabelos black-power, moda da época. Para ele, tanto cabelo poderia atrapalhar os nossos craques. Quase quarenta anos depois, um estudo do pesquisador Leonardo Gomes Martins Coelho revela que os cabeludos podem ter uma vantagem competitiva importante. Em uma pesquisa inovadora, Coelho e colaboradores constataram que homens com a cabeça raspada sofrem maior estresse fisiológico durante a prática de exercícios sob o sol.

Eles realizaram experimentos com 10 homens de cabelo crespo ou encaracolado, com pelo menos três centímetros de espessura. A pesquisa é parte da dissertação de mestrado defendida pelo pesquisador no início do mês de março, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência do Esporte, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, sob orientação do professor Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues.

Segundo Leonardo Coelho, cada indivíduo passou por três fases, chamadas de protocolos. O primeiro, segundo o pesquisador, serviu para caracterizar os voluntários e avaliou a capacidade aeróbica dos corredores. “No segundo protocolo, que foi o primeiro experimento de exercício contínuo, os indivíduos realizaram testes sob o sol, durante uma hora, com 50% da sua capacidade aeróbica. Eles mantiveram o cabelo intacto para criar uma espécie de carapuça, que serviria como proteção natural ao sol”, explica Coelho. Por último, os voluntários, já com a cabeça totalmente raspada, repetiram o procedimento do segundo protocolo.

Cada experimento foi realizado entre 11h e 12h30, horário de maior radiação de luz solar, com intervalo mínimo de dois dias. Durante os testes, o pesquisador monitorou, entre outras variáveis fisiológicas, a freqüência cardíaca, a temperatura retal e a taxa de sudorese total dos voluntários. De acordo com Coelho, essas variáveis serviram de base para calcular o Índice de Estresse Fisiológico (IEF) provocado no organismo pelo exercício físico e temperatura ambiente, em uma escala de 0 a 10, sendo 10 o valor mais estressante.

Os resultados da pesquisa mostraram que, ao realizar exercícios físicos com o cabelo raspado sob o sol, os voluntários tiveram IEF, variação de freqüência cardíaca e taxa de sudorese total maiores que na bateria anterior, quando ainda estavam com cabelo. No caso do IEF, por exemplo, os valores médios registrados foram de 5,2 e 4,6, respectivamente.
Leonardo Coelho lembra que o objetivo da pesquisa não foi estudar a influência ou não do cabelo sobre o rendimento esportivo dos atletas.

Segundo ele, o foco principal foi testar a hipótese de que, durante a evolução humana, os pêlos corporais atrofiaram-se e se mantiveram apenas sobre a cabeça para protegê-la da radiação solar, minimizando a absorção de calor pelo cérebro. “Muitas teorias explicam como os pêlos foram atrofiados nos homens, mas nenhuma delas defende, de forma aprofundada, por que o cabelo continuou hipertrofiado sobre a cabeça”, completa.

Para o professor Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional e orientador do trabalho, a pesquisa é inovadora, porque, apesar do tema ser aparentemente óbvio, nenhum trabalho similar foi realizado anteriormente. Segundo ele, outras pesquisas agora buscam dados mais específicos. “O segundo passo é analisar se os resultados se repetem com outros tipos de cabelo, como o louro ou liso, por exemplo.”

Desempenho

Mesmo sem dispor de resultados sobre a queda de rendimento dos atletas com o estresse causado pela radiação solar, Leonardo Coelho acredita que esse fator pode alterar o desempenho de um indivíduo sem cabelo durante a prática esportiva sob o sol. “O teste não foi realizado até a fadiga, mas como os indivíduos apresentaram maior estresse fisiológico na situação em que estavam correndo com o cabelo raspado, acreditamos que, se o exercício fosse mantido, o seu término ocorreria em menor tempo, hipótese que deverá ser testada em novo estudo”, explica o pesquisador. Ele enfatiza que a alteração deve acontecer apenas com atletas de modalidades de longa duração.

“O meu estudo foi feito no horário de meio-dia, com o objetivo de testar um modelo evolutivo. Em termos de desempenho, o estresse encontrado poderia afetar, por exemplo, o rendimento de um atleta em maratona realizada em horário com alta radiação solar”, analisa.

De acordo com Leonardo Coelho, outros estudos estão sendo realizados para observar o rendimento nas mesmas condições da pesquisa inicial, mas com os voluntários correndo até a fadiga. “Meu trabalho representou um pontapé inicial para avaliar a importância da proteção na cabeça contra a radiação solar”, comenta o pesquisador.