Busca no site da UFMG

Nº 1611 - Ano 34
26.05.2008

Acesso em forma de bônus

Conselho Universitário aprova pontuação extra
para candidatos com menos recursos;
medida inclui adicional para negros

Da redação

A UFMG já tem seu mecanismo de inclusão socioeconômica para acesso a seus cursos de graduação. A partir do Vestibular 2009, candidatos que freqüentaram a escola pública da 5ª série do ensino fundamental ao último ano do ensino médio contarão com bônus de 10% sobre a pontuação obtida no concurso. E para os que, com a mesma trajetória escolar, se declararem negros, a pontuação adicional será de 15%. Os bônus serão concedidos nas duas etapas do concurso.

O texto aprovado no último dia 15 de maio pelo Conselho Universitário determina que o mecanismo valerá ao longo de quatro anos, nos vestibulares de 2009 a 2012. Nesse período, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) realizará estudos anuais que serão encaminhados para avaliação do Conselho Universitário com vistas a um balanço em 2011. “Uma nova decisão será tomada, mantendo ou alterando as medidas agora adotadas”, informa o reitor Ronaldo Tadêu Pena.

De acordo com estudo feito pela Pró-Reitoria de Graduação – ainda sem considerar o adicional para os alunos negros –, o bônus aprovado deverá ampliar consideravelmente o índice de alunos oriundos de escolas públicas. Projeções realizadas com base no Vestibular 2006 – que aprovou 35% de alunos de escolas públicas – indicam que os ingressantes provenientes da rede pública deverão corresponder a 50% dos aprovados, igualando-se aos de escolas privadas. O bônus para os alunos afro-descendentes não constava da proposta original levada ao Conselho Universitário e foi incluído a partir dos debates na reunião em que foi tomada a decisão sobre o novo mecanismo.

De acordo com Ronaldo Pena, a medida segue linha diferente da política de cotas, porque não se baseia em simples reserva de vagas. “O bônus depende diretamente do aproveitamento do aluno, o que valoriza o mérito do estudante que teve mais dificuldades para estudar e, ainda assim, se aproxima da aprovação”, argumenta. Para ele, o bônus vai equilibrar as condições de competição entre alunos de escolas públicas e privadas, sem prejudicar os últimos.

Cursos concorridos

A mesma simulação feita pela Pró-Reitoria de Graduação revela que o bônus teria forte impacto em cursos tradicionalmente muito concorridos e que contam com pequena parcela de estudantes do sistema público. Em 2006, o mais disputado foi o de Medicina, com 29,14 candidatos por vaga. Entre os aprovados, 14% estudaram em escolas públicas. Se o bônus tivesse sido aplicado, a proporção subiria para 38%. Já no curso de Farmácia a diferença seria ainda maior: em 2006, sem o bônus, apenas 14% de calouros seriam egressos da escola gratuita. Beneficiados pelo bônus, eles seriam 59%.

O estudo em forma de simulação apoiou a proposta da adoção do bônus apresentada pela Reitoria à Câmara de Graduação, em 2007. Aprovada nessa instância em janeiro de 2008, seguiu para análise do Cepe, onde foi aprovada, com alterações, em 18 de março. O Cepe mudou o texto, que passou a exigir que os candidatos ao adicional de 10% na pontuação tivessem freqüentado escola pública durante os 11 anos do ensino fundamental – a idéia original da Câmara de Graduação previa a freqüência nos últimos sete anos, ou seja, a partir da 5ª série.

Finalmente, em sua última reunião, no dia 15 de maio, o Conselho Universitário voltou à redação anterior, decidindo pela bonificação relacionada aos últimos sete anos de estudos básicos. E acrescentou a parte que trata dos estudantes negros, concedendo a eles 15% de bônus.

Para a professora Antônia Vitória Aranha, diretora da Faculdade de Educação (FaE), que defendeu a proposta no Conselho Universitário, a decisão “não resolve a questão da exclusão e do racismo, mas mostra que a UFMG quer dar sua contribuição histórica para o resgate de uma dívida impagável”. Ela afirma que “há um sentido político nesta decisão do Conselho Universitário: o sentido de a UFMG não se omitir”.

Novas vagas

A comprovação dos estudos em escola pública será feita por meio do histórico escolar do candidato. Mas a Comissão Permanente do Vestibular (Copeve) ainda não definiu como e quando a entrega vai ser feita. No formulário de inscrição, o candidato já declara sua trajetória escolar e a raça à qual pertence. Segundo o pró-reitor de Graduação, Mauro Braga, é provável que o questionário seja reformulado.
A proposta de inclusão social da Universidade também contempla a criação de cerca de 1.200 novas vagas no Vestibular 2009, das quais mais de 700 são para cursos noturnos. Para o Vestibular 2010, está prevista expansão de mil vagas.

Repercussões na comunidade acadêmica

Itamar Rigueira Jr.

Defensor dos sistemas de cotas segundo o critério de cor da pele, o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos, reitor da UFMG na gestão 1994-1998, considera “razoável” a solução encontrada pelo Conselho Universitário, que confirmou a proposta original com relação ao bônus para alunos de escolas públicas, mas ampliou o benefício para os que, dentre eles, se autodeclararem negros. “É outra forma de política afirmativa, um passo importante que contempla duas realidades distintas e complementares”, define o professor do ICB.

Tomaz Aroldo lembra que em sua época de reitor chegou a ser contrário à política de cotas – achava que a questão racial era subproduto das diferenças sociais. Hoje ele defende a reserva para os negros atrelada à criação de novas vagas, como faz a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para ele, a solução para o acesso à universidade não se alcança somente com a mudança na distribuição de renda. “A assimetria de brancos e negros acontece em todos os níveis de escolaridade”, analisa.

A decisão do Conselho Universitário é aprovada também pela professora Nilma Lino Gomes, da Faculdade de Educação, que coordena o programa Ações Afirmativas na UFMG. “Levando-se em conta que 22 outras universidades federais já haviam adotado medidas do gênero, já estávamos aflitos por uma resposta da UFMG a essa demanda social”, diz Nilma. “Pela desenvoltura e pelo potencial da nossa universidade, essa resposta poderia ter vindo antes, mas pode-se dizer que ela veio a tempo, em acordo, por outro lado, com a dinâmica de seu debate interno”, continua a professora, para quem o bônus é apenas “o primeiro passo” para compensar as desigualdades. Ela espera que a avaliação dos resultados da medida nos próximos anos leve a uma resposta mais arrojada.

“Canetada”

A opinião do professor Antônio Machado Carvalho, da FaE, é divergente. Para ele, o bônus ou qualquer outra das medidas que se cogitam para a inclusão na universidade reflete a pretensão de “equalizar desigualdades sociais por uma canetada. É como dar esmola, ou seja, não resolve o problema real, que exige a melhoria efetiva do ensino público”.

Machado está certo de que a medida recém-adotada pela UFMG vai transferir a disputa para o âmbito dos alunos das escolas gratuitas “de alta qualidade”, como o Coltec e os Cefets, além de uma ou outra da rede pública. Uma solução que ele considera mais radical seria o sorteio de vagas entre alunos que provassem estar aptos através de um índice mínimo de aproveitamento.

"A universidade brasileira não faz isso porque não quer assumir a responsabilidade, por exemplo, de ensinar química ao aluno de Medicina que tem carências nessa matéria. Ela transfere essa responsabilidade para um um sistema inepto”, afirma o professor do departamento de Técnicas de Ensino da FaE. Ele classifica o bônus como “um equívoco com potencial de criar segregação e zonas de conflito social”.

Também contrário ao benefício orientado por critério racial, o professor Jacques Schwartzman, diretor do Cespe (Centro de Estudos sobre Ensino Superior da UFMG) preferia a versão inicial proposta pela direção da UFMG, que previa o bônus único para alunos da escola pública. “Da forma como foi aprovada, a medida envolve definição de raça, o que pode ser constrangedor, como no caso dos irmãos gêmeos da UnB. O critério de pobreza deveria predominar e não o da cor da pele. O importante é dar um empurrãozinho naqueles estudantes carentes que por pouco não foram aprovados. Não há razão para que o empurrão dos que se declararem negros seja mais forte”, defende Schwartzman
Ele destaca que o futuro do sistema de cotas ou bônus dependerá de maiores investimentos na educação básica para melhorar as condições das escolas públicas. “O Brasil investe dez vezes mais no estudante universitário do que no aluno do ensino fundamental e isto precisa ser revertido”, conclui.

Em outros campi

Saiba como funcionam os programas de ações afirmativas em algumas instituições públicas de ensino superior do país: