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Nº 1611 - Ano 34
26.05.2008

Ser criança na metrópole

Livro aponta as possibilidades de viver a infância de forma rica e plural nas grandes cidades

Glauciene Lara

É o automóvel – e não mais as crianças e as brincadeiras populares – que domina as ruas. A televisão, o computador, os jogos virtuais são realidades do cotidiano infantil. Descrever a infância na metrópole parece uma tarefa simples. Mas a pluralidade e a complexidade do processo de urbanização das cidades se refletem nas experiências das crianças, como aponta o livro Infâncias na metrópole, recém-lançado pela Editora UFMG.
O livro é organizado pelos professores José Alfredo Oliveira Debortoli, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Maria de Fátima de Almeida Martins, da Faculdade de Educação, e Sérgio Martins, do IGC. Infâncias na metrópole é resultado do projeto de pesquisa Infância, cidade e educação, desenvolvido no âmbito do Centro de Desenvolvimento do Esporte Recreativo e do Lazer (Rede CEDES), financiado pelo Ministério do Esporte.

Infância institucionalizada

Os autores observaram a infância em dois bairros de Belo Horizonte: Confisco, na Pampulha, e Belvedere, na Zona Sul. Segundo Debortoli, no Belvedere, é difícil encontrar crianças porque vivenciam uma programação diária intensa, resultado de um processo de institucionalização da infância. “As crianças são vistas no momento em que saem do inglês e vão para o balé”, exemplifica. A rua não é espaço de convivência, exceto nos finais de semana, quando os pais levam os filhos a locais públicos.

No bairro Confisco, o grupo conseguiu se aproximar mais das crianças. Mas a intensa mediação das instituições também foi observada. A presença das crianças na rua é convocada pelos programas sociais e pela prática de esportes como o futebol. A institucionalização da vida, segundo o professor Debortoli, é inerente à organização da sociedade e à sofisticação das relações. No início do século XX, havia apenas a família e a escola. Hoje, a multiplicidade das instituições gera uma seqüência de atividades oferecidas às crianças, como o inglês e a computação. “São experiências ricas do ponto de vista da informação que precisam ser levadas também pelas crianças de classes sociais mais baixas”, aponta o professor.

Impregnadas pelo olhar do adulto, as crianças se recusam a desenvolver atividades infantis e ingressam precocemente na adolescência. Debortoli acredita na necessidade de resgatar a infância por meio, por exemplo, de brincadeiras. “Para que a infância não seja uma experiência reduzida, as práticas sociais relacionadas com ela precisam ser capazes de desenvolver potencialidades corporais, intelectuais, expressivas e afetivas”, afirma.
O professor ressalta que a cidade deve oferecer ambientes adequados às crianças, para que elas não se apropriem de espaços dos adultos.

Equipamentos de ginástica acabam virando escorregadores”, exemplifica. Já locais muito especializados como bufês infantis e áreas de lazer em shopping centers promovem o isolamento, quando a ênfase deveria ser, em sua opinião, nas relações sociais.

Violência e saudosismo

Um aspecto abordado no livro é a violência da cidade e a forma como ela afeta a criança. Desde a década de 1970, a violência é apontada pela sociedade como causa da privatização da vida, materializada na construção de condomínios e na redução dos deslocamentos na cidade.

Para Debortoli, a violência tem sua dimensão concreta, mas é também uma prática discursiva. “Nossa vida industrial, urbana e capitalista gera isolamentos que precisam de justificativas. Uma delas é a violência, o medo do outro, posto como algo insolvente”, avalia o professor.
Debortoli acredita que o debate da questão da infância na metrópole não passa pelo olhar saudosista sobre cidade, que reflete o desejo dos adultos de voltar a um tempo e a um espaço que não existem mais. “As infâncias são distintas. É preciso perceber as mudanças, compreender o que construímos e recuperar a cidade como um lugar de relações”, sugere o professor.

Livro: Infâncias na metrópole
Organizadores: José Alfredo
Debortoli, Maria de Fátima Almeida Martins e Sérgio Martins
Publicação: Editora UFMG
Páginas: 205
Preço: R$ 29