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Nº 1622 - Ano 34
22.08.2008

A segunda revolução do concreto

Ana Maria Vieira

Nanotecnologia é base de nova classe de material, que poderá ser usado na construção civil

Um pequeno bloco, de aspecto liso e cor cinza escuro, chama a atenção entre os freqüentadores do Laboratório de Nanomateriais do Departamento de Física da UFMG. Em desenvolvimento há cerca de um ano, o produto, um tipo de nanocompósito cuja síntese valeu-se de rota inédita, apresenta-se como a maior inovação tecnológica para o cimento desde que o concreto protendido começou a ser fabricado há 80 anos.
Denominado nanocompósito de cimento-nanotubo de carbono, tem potencial para atuar como redutor de porosidade e reforço estrutural do cimento, com resistência até três vezes superior à dos materiais convencionais. Registro de pedido para patente nacional do material já foi obtido e, além de seu promissor uso na construção civil, deverá agora passar por série de avaliações para especificar propriedades e conjunto de aplicações.

“Cheguei a esse material realizando síntese direta de nanotubo de carbono no clínquer de cimento”, relata o professor Luiz Orlando Ladeira, coordenador do Laboratório de Nanomateriais. Formado a partir da calcinação de argila e calcário, o clínquer é matéria-prima do cimento. Há cerca de um ano, o professor iniciou investigações com o gesso. Esse material, misturado ao clínquer moído, constitui a fórmula final do pó de cimento. Durante seus experimentos, ele observou que o processo de calcinação gerava uma matriz óxida de alta estabilidade térmica. “Levantei a hipótese de que o clínquer seria um bom suporte para o crescimento do nanotubo de carbono”, lembra.

Realizado o teste, os resultados confirmaram sua tese. Até então, pesquisadores de todo o mundo tentavam adicionar o cimento ao nanomaterial tratado quimicamente, por meio de mistura física. Além de não mostrar eficiência e ser demorado, o procedimento onerava excessivamente o compósito final.

Viabilidade

“Há uma desigualdade na correlação de custos: enquanto o preço do saco com 50 quilogramas de cimento chega a R$ 15, o grama do nanotubo no mercado internacional alcança o preço médio de R$ 60”, ilustra Luiz Orlando. O principal desafio do professor foi desenvolver um nanocompósito de cimento que aliasse alto desempenho mecânico e custo de produção viável. A literatura técnica da área mostra que a obtenção do material requer adição de 0,3% a 0,5% de nanotubo ao cimento. Assim, 50 quilogramas do produto necessitam de 250 gramas de nanotubo para gerar um material de alta performance. “O problema é que, até então, essa mistura revelava-se inviável economicamente, pois a partir dela o custo de um saco de cimento era de R$ 15 mil, mil vezes mais do que o do produto sem adição de nanotubo”, lembra Luiz Orlando.

As pesquisas empreendidas pelo professor resultaram exatamente em um método que equaciona a questão do custo produtivo. “Desenvolvi um processo por meio do qual o nanotubo já ´nasce´ dentro do particulado de cimento. Isso faz com que o custo do produto seja de R$ 30, apenas duas vezes mais que o material convencional, mas com performance muito superior”, compara.

A produção de nanotubo de carbono é realizada na UFMG, sob a coordenação de Luiz Orlando Ladeira. Desde 2000, o trabalho conduzido no Laboratório de Nanomateriais atende a demandas de grupos de pesquisa em nanociências de todo o país. Apresentando estrutura cilíndrica formada por átomos de carbono, o diâmetro dos nanotubos não ultrapassa a bilionésima fração do metro (um nanômetro).

Essa característica está associada a uma série de propriedades apresentadas pela molécula, como resistência mecânica e condutividade elétrica e térmica consideradas excepcionais. Por esse motivo, seu uso em pesquisa e na confecção de dispositivos industriais tem crescido desde a última década. “Os nanotubos de carbono são 50 vezes mais resistentes à ruptura que o melhor fio de aço até hoje produzido”, observa o pesquisador.

Muito mais que um cimento

O cimento é o segundo produto mais consumido no planeta Terra, atrás apenas da água. Misturado com areia, pedras e água, resulta no concreto, um dos mais importantes materiais da construção civil. Em habitações comuns, medidas de resistência do concreto para fins estruturais devem atingir pelo menos 20 MPa (mega Pascal). Em Belo Horizonte, o mais comum é que tenham entre 30 a 35 MPa. Obras de infra-estrutura, no entanto, entre as quais estradas, túneis e prédios com grandes vãos usam concretos na faixa de 40 a 60 MPa. Já em construções que demandam maior blindagem (balística ou ataques a bombas), os concretos chegam a ter 150 MPa. Há 80 anos, a área da construção civil experimentou uma revolução produtiva, com a inserção, na estrutura do material, de cabos de aço capazes de suportar cargas elevadas e melhorar seu comportamento frente à tração. Nascia ali o concreto protendido.

A adição de nanotubos de carbono a uma das matérias-primas do concreto parece, agora, representar outra modalidade de evolução, pois altera a sua composição – e não apenas a introdução de materiais em sua armação. “Os nanotubos de carbono podem desempenhar papel parecido com o dos cabos de aço, atuando como elemento de protensão do concreto em escala nanoscópica”, explica o pesquisador. A expectativa é que o produto sintetizado na UFMG possua propriedades próprias do concreto de altíssima resistência, acima de 200 MPa. Um de seus usos mais evidentes seria, portanto, em obras de infra-estrutura e construções de grande porte.

“Devido à redução de sua porosidade, ele poderá ser testado também em construções submarinas, como plataformas e dutos de petróleo”, acrescenta o professor, ao explicar que a rugosidade existente nos concretos hoje disponíveis permite a entrada de cloreto de sódio em sua estrutura. Essa característica é a porta de entrada para sua degradação.

Luiz Orlando ressalta, no entanto, que o novo material não é apenas um cimento. “Estamos formando um grupo interdisciplinar na UFMG para estudar suas propriedades e aplicações, além de seu comportamento na construção civil”, antecipa. A equipe, liderada pelo professor José Márcio Fonseca Calixto, do Departamento de Engenharia de Materiais e Construção da Escola de Engenharia, realizará estudos para avaliar propriedades do material como rigidez, resistência à tração, permeabilidade, fadiga, fluência e durabilidade.

A professora Maria Teresa Paulino Aguilar, vinculada ao mesmo departamento, manifestou interesse em participar do grupo que investiga as propriedades do novo material. Ela também está convicta de que o setor se encontra, de fato, diante de uma nova revolução para o concreto.