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Nº 1627 - Ano 35
29.09.2008

O ano que desafiou o calendário gregoriano

Seminário reflete sobre os 40 anos das manifestações de 1968 e legado deixado para as novas gerações

Léo Rodrigues

1968 é um ano que não terminou. Mesmo quatro décadas depois dos acontecimentos que sacudiram o mundo, a máxima cunhada pelo escritor Zuenir Ventura, autor de um dos maiores best-sellers do jornalismo brasileiro, ainda está valendo. O legado daquele período emblemático da história político-cultural do Brasil e do mundo reunirá, na UFMG, importantes pesquisadores brasileiros no seminário 1968: Para não esquecer. Com o intuito de elucidar e interpretar dilemas que permanecem atuais, os palestrantes levarão o público a mergulhar nos conflituosos acontecimentos que tomaram as ruas de diversos países.

O evento é organizado pelo Programa de Pós-Graduação em História e será realizado entre os dias 6 e 8 de outubro, no Auditório Sônia Viegas da Fafich. A programação é composta de seis mesasredondas, uma aula-show e duas mostras de filmes. Serão oferecidas 180 vagas ao público e, para participar, é preciso se inscrever pessoalmente na secretaria do programa ou pela internet (www.fafich.ufmg.br/ppghis), até 3 de outubro. Os participantes de pelo menos 75% das atividades receberão certificado.
O coordenador do seminário, professor Rodrigo Patto Sá Motta, do Departamento de História da Fafich, explica que o intuito não é celebratório. “1968 é um mote para abordar diversas questões que tiveram confluência naquele ano. Mas muitas questões explodiram antes e outras ultrapassaram o período. Por isso, os eixos temáticos foram organizados em torno de questões amplas que não se prendem a 1968. Iremos discutir, por exemplo, a rebeldia estudantil, a cultura na sociedade, a repressão e os impasses da esquerda”, esclarece Rodrigo Patto.

O mundo em ebulição

No ano de 1968, os protestos contra a Guerra do Vietnã se multiplicaram pelo planeta e a eles se juntaram diversas manifestações locais. Na França, os jovens parisienses ergueram barricadas nas ruas contra o conservadorismo da sociedade. Na Espanha e na Itália, a luta pela melhoria das condições de ensino levou os estudantes a ocupar diversas universidades. No Brasil, a contestação à ditadura se acirrou a partir do assassinato do estudante secundarista Edson Luís, que levou 100 mil pessoas às ruas para clamar por democracia.

O professor Rodrigo Patto aponta dois fatores que explicam a ocorrência de manifestações juvenis simultâneas em países que viviam diferentes conjunturas internas. O primeiro é o considerável crescimento econômico do pós-guerra, que possibilitou a expansão das universidades em todo o mundo, ampliando o número de estudantes em um ambiente até então restrito. O segundo foi o choque entre gerações. “Pais e filhos não se entendiam. Os pais haviam vivenciado grandes crises, sobretudo a depressão econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Por isso, acreditavam que os problemas haviam sido superados e o pós-guerra seria um tempo de prosperidade. A leitura dos filhos era menos otimista e se baseava na crítica dos comportamentos”, explica Rodrigo Patto.

Autoritarismo e liberdade

De fato, a questão comportamental foi o eixo mobilizador das manifestações de 1968. Exigia-se maior liberdade, o que implicava remodelar as relações entre pais e filhos, homem e mulher, brancos e negros. Contestava-se o suposto autoritarismo nestas relações. No Brasil, o autoritarismo extrapolou a esfera pessoal e se transformou em política de Estado. “Provavelmente, o maior legado do período é o clima mais liberal que vivenciamos hoje. Os valores de liberdade alcançaram diversas dimensões da vida”, analisa Rodrigo.

Um dos convidados do seminário, o professor Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminese (UFF), aponta ainda um outro legado do ano de 1968. Diante da dificuldade das diversas forças políticas de apresentarem um novo projeto de sociedade, tomou corpo o que ele chama de novos movimentos sociais. “Os movimentos feminista, de negros e gays contestavam os antigos programas e as formas de fazer política. Como tudo o que surge na história, tinham raízes no passado, mas se apresentaram em 1968 com força inusitada e não mais saíram de cena nas décadas seguintes”, explica Daniel Aarão.

Outra marca de 1968, segundo Rodrigo Patto, reside em questões que estão longe de serem superadas, como o recente debate sobre a anistia no Brasil. A proposta de punir os praticantes da tortura, criticada por setores das forças armadas e apoiada pelas vítimas e seus familiares, demonstrou que algumas feridas permanecem abertas. Mais uma evidência de que aquele ano não acabou em 31 de dezembro.