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Nº 1634 - Ano 35
17.11.2008

opiniao

Com educação, sim, nós podemos!

Maria Aparecida Moura

O mundo acompanhou, estupefato, a eleição de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos. É um feito inédito para um homem que é a síntese “fortuita” das representações que os americanos temem: negro, ético, de idéias avançadas e um intelectual ativo e chancelado por Harvard, a sua mais importante universidade. Enfim, ele é o protagonista insólito do “sonho americano”.

A campanha de Obama e a sua rápida projeção internacional tornaram evidente que a educação e a ética permanecem como valores universais e representam o sonho de mudança, num mundo tão embotado pelos valores neoliberais dos fluxos informacionais e econômicos. Diante de tal fenômeno, parece-nos que vai ficar ainda mais difícil aos detratores das políticas de ação afirmativa contestarem a idéia de que é possível mudar com igualdade de oportunidades e educação.

Afinal, o que torna Obama viável, senão a conjugação de biografia digna, tenacidade e educação? O que o legitima como uma chama de esperança no cenário global?

Em primeiro lugar, ele representa a força da intelectualidade crítica que chega ao poder, mas não se envaidece. Tem consciência de que sua ascensão não representa uma conquista pessoal alheia à luta social mais ampla. Em segundo, Obama evidencia e sintetiza uma nova forma de participação política. Ele sabe fazer uso estratégico dos instrumentos típicos da sociedade civil em rede: informação, redes sociais virtuais e conectividade. Nesse sentido, na era da globalização e do crescente acesso às tecnologias da informação e da comunicação, fica explícito que “o espaço-tempo se retrai e contrai, as fronteiras tornam-se virtuais e porosas, os fatores internos e externos se chocam e interagem, e os segundos servem de estímulo aos processos sociais e políticos no centro do Estado-Nação1”.

Em uma simples pesquisa na Internet, digitando-se a expressão “Barack Obama”, por exemplo, obtém-se como resposta cerca de 82 milhões de sites relacionados, um número expressivo se levarmos em consideração que a população americana é de cerca de 300 milhões de habitantes. Isso significa que o global toca e excita o local para o estabelecimento de conexões e mobilidade permanentes.

Diante de tal fenômeno, parece-nos que vai ficar ainda mais difícil aos detratores das políticas de ação afirmativa contestarem a idéia de que é possível mudar com igualdade de oportunidades e educação

Entusiasma também a sua biografia, na qual se percebe o cuidado com a construção de uma trajetória coerente. O senador Barack Obama cursou Ciências Políticas na Universidade Colúmbia. A seguir, graduou-se também em Direito pela Universidade de Harvard, com distinção. Iniciou sua carreira política em Chicago, tendo sido um bem-sucedido líder comunitário e professor de direito constitucional em Illinois por 12 anos. O fenômeno Obama tomou proporções planetárias e pervaga o mundo sob a forma de fluxos de informações que o criam uma onda de engajamento e entusiasmo nunca antes vista.

Porém, sabe-se que nem toda corporeidade é desejada nesses processos globais. Os Estados nacionais se abrem com restrições ao que tem sido chamado de imigração descartável, ou seja, corpos de uma improvável valia no contexto dos fluxos informacionais digitais.

Evidentemente não se espera que Obama, como em um passe de mágica, transformará o curso dos fenômenos aos quais estamos irremediavelmente articulados e nos quais estamos incluídos. Sabe-se mesmo que, dado o caráter mítico que sua personalidade adquiriu, haverá sempre, ante a primeira falha, segmentos sociais de plantão prontos a demolirem com as mesmas estratégias o mito midiático da Obamania.

Fruto do atual contexto histórico e dos traços remarcáveis de sua biografia, Obama representa hoje uma via possível, um líder carismático contemporâneo. Nesse contexto, ele parece personificar o avatar ideal que, em tempos de virtualidades eletrônicas, tem o poder de afugentar para longe o fantasma do bushismo paralisante. Nesse sentido, constata-se que, diante da ressaca de longa duração representada por Bush, a sociedade americana está pronta a “entregar os anéis, na esperança de não perder os dedos”.

O desejo urgente de mudança – potencializado por uma provável resposta positiva de Obama – remete e, ao mesmo tempo, atualiza a luta pelos direitos civis capitaneada por Martin Luther King Jr. nos anos 60. Assim, Obama simboliza o imaginário cultural redivivo que se articula para além das fronteiras do Estado-Nação e apela para um “nós-planetário”.

Não se sabe ao certo sobre os desdobramentos desse movimento e do fôlego que Barack Obama terá nos próximos anos, além das concessões e diálogos que será obrigado a realizar. Entretanto, é bastante encorajador presenciar, como educadora e cidadã, a utopia de nossas lições ganhar “régua e compasso” no fenômeno simbólico planetário de que Obama parece ser o portador.

É evidente o risco de uma nova onda de irmanação passageira que, embora visivelmente remarcável, pode se dissolver sem maiores conseqüências para as mudanças sociais ensejadas. No entanto, espera-se que, motivados pelo atual fenômeno político, pela força da educação e com as esperanças renovadas, sejamos capazes de reiterar: “Sim, nós podemos”.

1. LAVODRAMA, Philippe., SCHOENDORFF, Patrice. Obamania: usage et mésusage d’une formule. Disponível em http://www.afrology.com/pol/obamania.html.

*Professora da Escola de Ciência da Informação da UFMG

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