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Nº 1634 - Ano 35
17.11.2008

A boca agradece

UFMG pesquisa o variado repertório de aplicação
da própolis na saúde bucal

Manoella Oliveira

FilipeChaves
Vagner Santos: efeitos analgésico, antiinflamatório e antimicrobiano

Com base em depoimentos de pessoas que fazem uso da própolis na pele, o professor de Patologia Bucal e Estomatologia da Faculdade de Odontologia da UFMG Vagner Rodrigues Santos decidiu testar os efeitos da substância na boca. Os resultados foram tão positivos que desencadearam o estudo, iniciado em 1996, em várias vertentes com aplicações específicas, entre elas o auxílio a pacientes com câncer. A pesquisa conta com a participação de mestrandos e docentes da Unidade, alunos de iniciação científica, professores do Departamento de Química, do Instituto de Ciências Exatas (Icex), e da Escola de Farmácia.

A Faculdade de Odontologia oferece atendimento especial a pessoas com câncer de cabeça e de pescoço que apresentam xerostomia, disfunção provocada pela radioterapia conhecida como “boca seca”, caracterizada por pouca ou nenhuma produção de saliva. “A saliva protege a boca e controla o crescimento exagerado de microorganismos potencialmente patogênicos. Se ela existe em quantidade insuficiente, a pessoa pode desenvolver mucosite [inflamação da mucosa] com sobreposição de outras doenças como a candidíase bucal, popularmente chamada de sapinho. Esse quadro deixa o paciente mais vulnerável; ele sente dor até mesmo quando fala ou se alimenta”, explica Vagner Santos.

Para aliviar o mal-estar, o grupo de pesquisa criou um gel à base de própolis que lubrifica a boca e traz conforto. Na véspera do início da radioterapia, o Hospital das Clínicas da UFMG encaminha o paciente para receber a aplicação do produto, procedimento que se repete durante 45 dias. Os pacientes submetidos ao processo não desenvolvem mucosite, e, quando ela já existe, a complicação regride. “Isso se justifica pelos efeitos analgésico, antiinflamatório e antimicrobiano da própolis”, diz o professor.

Em desenvolvimento desde o ano passado, o projeto ainda é piloto e não tem previsão para ser concluído. Por enquanto, o gel foi testado em dez pacientes e precisa ser aplicado em cerca de 60 pessoas. A dificuldade reside nos limites impostos pelo tratamento de câncer, que pode fragilizar o paciente, impossibilitando-o, algumas vezes, de participar regularmente dos testes.

Outro braço da pesquisa se dedica ao desenvolvimento de um gel de própolis mais aderente e viscoso usado na cura de bolsas periodontais, um dos quadros clínicos da periodontite, a progressão de uma gengivite não tratada. O surgimento dessas bolsas está ligado à destruição das fibras e à reabsorção do osso alveolar que sustenta o dente, formando um espaço entre ele e a gengiva. Em fase inicial de tratamento, a bolsa recebe uma aplicação de gel uma vez por semana. Com um mês de tratamento, as bolsas regridem e desaparecem assim como a inflamação gengival.

Uma terceira frente de estudo, ainda incipiente, é a associação da própolis a materiais odontológicos. Os pesquisadores estão testando uma nova resina para produção de dentadura. O material poderá ser de grande utilidade para pessoas que precisam extrair todos os dentes de uma só vez e imediatamente fazer a adaptação de uma prótese para efeitos estéticos. O uso da dentadura com própolis incorporada poderá evitar inflamação e infecções. Os testes já foram realizados in vitro.

Contra as cáries

A primeira e mais simples aplicação do grupo foi a utilização da própolis contra as cáries. Foram identificados 14 extratos de própolis disponíveis no mercado de Belo Horizonte, vários deles provenientes de outros estados. As amostras foram utilizadas em testes in vitro para combater os microorganismos patogênicos. Os experimentos mostraram que todas elas eliminam e inibem o crescimento desses microorganismos danosos à saúde bucal em maior ou menor grau. A própolis é eficiente como antibiótico por ser bactericida e bacterioestática – não apenas controla, mas mata tais agentes.

Em uma segunda fase, que durou de 2002 ao final de 2007, 60 voluntários com alta susceptibilidade a cáries foram convidados a participar da pesquisa. Por motivos que podem envolver genética, questões sociais e hábitos de higiene, essas pessoas têm entre 100 milhões e um bilhão de Streptococos mutans na boca, número suficiente para causar cáries.

Quando elas utilizam o gel e o enxaguante bucal à base de própolis por 20 dias, esse número cai para entre 10 mil e 100 mil. “Dessa forma, é possível fazer um controle efetivo, permitindo que essas pessoas possam até mesmo sair do grupo de elevada susceptibilidade. Algumas mulheres fazem esse tratamento antes da gravidez para evitar que os filhos também sejam afetados pelo problema”, afirma Santos.

Mas o uso da própolis também pode trazer efeitos indesejados, como o escurecimento dos dentes. De acordo com o professor Vagner Santos, a resina tende a aderir à superfície dura do dente. Uma boa escovação, porém, atenua o inconveniente. Segundo ele, muitas pessoas compram produtos inespecíficos para uso odontológico e os aplicam nos dentes. É o caso do extrato de própolis misturado em água para fazer bochecho. “É uma fórmula que não passou por controle de concentração, por isso tende a escurecer os dentes. O ideal é que a concentração de própolis varie de 5% a 10%, tanto no creme quanto no gel dental”, informa Vagner Santos.