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Nº 1638 - Ano 35
15.12.2008

Invasão estrangeira

Plantas originárias de outros ambientes proliferam na
Serra do Cipó, ameaçando as espécies nativas

Geraldo Wilson Fernandes
Canela de Ema
Canela de Ema, uma das espécies nativas ameaçadas

Léo Rodrigues

A Serra do Cipó, localizada a 90 quilômetros de Belo Horizonte, é um santuário ecológico invadido por espécies estranhas àquele ambiente. Sua biodiversidade, comparável em certa medida à da Floresta Amazônica, vem sendo ameaçada pela introdução de plantas exóticas. A porta de entrada para essa verdadeira invasão estrangeira é a rodovia MG-010.

O alerta é feito pelo professor Geraldo Wilson Fernandes, do Departamento de Biologia Geral do ICB. Em artigos publicados em jornais e revistas, ele tem denunciado que o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) ignorou alguns procedimentos acordados para a construção da rodovia.

O professor conta que, no início dos anos 90, foi realizado intenso debate com objetivo de estabelecer regras para o asfaltamento da região. Participaram das discussões ambientalistas, cientistas, moradores, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e DER-MG. Na ocasião, ficou decidido que nem mesmo para controle de erosão seriam utilizadas plantas estranhas àquele ecossistema. A proposta era adotar, nas margens da estrada, um tapete de grama Batatais, que deveria ser plantado conjuntamente com mudas de espécies nativas.

Segundo Fernandes, o acordo não se concretizou. A grama utilizada nas margens da MG-010 teria sido extraída de áreas repletas de espécies nocivas à Serra do Cipó. Também não foram plantados vegetais nativos e as plantas invasoras cresceram rapidamente, entre elas o feijão-guandu, a unha-de-gato, a braquiária e o capim-gordura. “A MG-010 foi chamada de ‘rodovia ecológica’, mas os apontamentos dos biólogos e ambientalistas não foram levados em consideração”, critica Geraldo Fernandes.

As espécies invasoras, quando estão no seu habitat natural, vivem em harmonia com as demais espécies. Mas quando alcançam outras regiões põem em risco o equilíbrio do ecossistema. Além de disputar nutrientes e espaço, elas podem carregar doenças e também trazem seus predadores naturais.

Impactos no solo

O pesquisador Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa, doutorando em Ecologia pela UFMG, é co-autor dos artigos que fazem as denúncias. Orientado pelo professor Geraldo Fernandes, ele defendeu, em março deste ano, dissertação de mestrado na qual analisa o impacto causado pela construção da MG-010. Ele esclarece que os campos rupestres, vegetação típica de regiões de altitude elevada, tem uma rica formação florística e um solo diferenciado. No caso da Serra do Cipó, o solo quartzítico, com acidez elevada, é um dos fatores responsáveis pela ocorrência de flora tão singular. “A biodiversidade da região compreende cerca de 1.700 espécies. Em alguns lugares, ela supera a riqueza da Floresta Amazônica. Há espécies com potencial medicinal que só são encontradas na Serra do Cipó”, conta Newton, que, em sua dissertação, partiu da hipótese de que a construção de estradas aumenta a possibilidade de proliferação de espécies invasoras por causa da circulação de pessoas, carros e animais. Essa movimentação faz crescer o transporte de sementes, algumas delas de rápida disseminação.

O estudo de Newton Pimentel revelou detalhes relativos ao impacto da MG-010 sobre o ecossistema da região. A acidez do solo da Serra do Cipó deve-se ao alto teor de alumínio. Dificilmente, espécies invasoras estabeleceriam-se naturalmente no local, pois não estão preparadas para este tipo de solo. Só que o asfalto vale-se de cimento-solo, uma fonte riquíssima de cálcio, que reduz a acidez da terra. Assim, as margens da estrada tornam-se propícias à proliferação de espécies invasoras. Uma vez no ambiente, elas aproveitam qualquer oportunidade para se disseminarem, como a ocorrência de queimadas, que diminuem a toxicidade do solo.

Interrupção

A direção do Parque Nacional da Serra do Cipó tem realizado mutirões periódicos para capinar as plantas invasoras, medida que também vem sendo tomada pelo DER-MG, segundo o seu gerente de meio ambiente, Murilo Fonte Boa. Ele alega que o plantio da grama foi autorizado pelo Ibama e diz não saber se as plantas invasoras vieram nela ou se chegaram depois. “Paramos o plantio assim que fomos notificados. Acreditamos que a situação será contornada com as medidas tomadas, pois a grama contaminada foi plantada em uma extensão de apenas 10 quilômetros”, conta Fonte Boa.

Newton Pimentel e Geraldo Fernandes deixam claro que não são contrários à construção de estradas. “Um morador da Serra do Cipó que passa mal tem o direito de chegar rápido ao hospital de Belo Horizonte”, defende o professor. O problema, segundo ele, é que os órgãos ambientais parecem não ter força política para exigir os cuidados necessários. Newton Pimentel sugere uma alternativa técnica: a construção de estradas com bloquete. Diferentemente do asfalto, esse material não tem cálcio nem altera a composição do solo. “O custo é mais alto, mas o investimento em áreas de preservação ambiental vale a pena”, argumenta.paisagem
Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa