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Nº 1646 - Ano 35
30.3.2009

opiniao

Entre os muros da universidade

Sandra Maria da Mata Azerêdo*

As reportagens de Sílvia Amélia e Léo Rodrigues publicadas na edição 1.644 (16.3.2009) deste BOLETIM mostram como a Universidade está contribuindo para criar formas alternativas de enfrentar problemas urgentes da sociedade. A primeira trata do trabalho da equipe do professor Francisco de Paula Lima, do Departamento de Engenharia de Produção, desenvolvido junto com os catadores, buscando tornar os projetos mais eficientes, com base na solidariedade e não no lucro. Com apoio da Petrobras, Banco do Brasil e BNDES, essa “anti-indústria” que caracteriza o trabalho da Cataunidos, cooperativa formada por nove associações que reúnem mais de 500 catadores de material reciclável, tem obtido bons resultados através das técnicas e capacitação desenvolvidas pelo grupo.

A segunda reportagem trata do livro coeditado pelo professor Léo Heller, da Escola de Engenharia, e pelo sociólogo argentino José Esteban Castro, da Universidade de Newcastle, Inglaterra. A partir de abordagem interdisciplinar, a obra de 21 capítulos busca dar atenção às teorias que envolvem a questão da gestão e políticas públicas da água e saneamento, visando a contribuir para a superação de desigualdades estruturais e a adoção de estratégias mais inclusivas. Em seu artigo para a coletânea, o professor Léo observa a exclusão gerada pelas opções adotadas no Brasil desde os anos 1970, que atenderam melhor as áreas ocupadas pela elite do que as da periferia. Há, agora, com apoio do Governo Federal, uma perspectiva de avanço com a aprovação em 2007 de uma legislação inovadora, debatida durante mais de 20 anos e que cria mecanismos de participação popular e fortalece o poder público.

A essas atividades fecundas, voltadas para a participação coletiva e para a esfera pública, que produzem uma “gestão para a solidariedade” e “um livro para matar a sede”, o artigo do professor Ivan Domingues, do Departamento de Filosofia, publicado na página de opinião da mesma edição, contrapõe com a “agitação estéril”, individualista, produzida pelo que considera “dois grandes males que afligem a universidade brasileira”: “o turismo acadêmico e o taylorismo intelectual”, ambos provenientes da política do publish or perish, que leva intelectuais da universidade a uma participação desenfreada em “eventos (muitos de qualidade duvidosa)”, com trabalhos que servem apenas para acrescentar uma linha ao Lattes.

Embora não fique claro a que desafios o professor se refere, considero que o desafio do presente para a universidade seja verificar a igualdade, nas palavras de Jacques Rancière, ou seja, enfrentar o sistema de exclusão do povo que vem se perpetuando desde os tempos da colonização. E esse desafio nem sempre se enfrenta em ambientes serenos.

Tomando como referência o primeiro mundo – acha “mais afortunados” os colegas que passaram os meses de “recolhimento” em um “Lab” ou em “uma boa biblioteca de Paris” e vê a UFMG com seus mais de 34 mil estudantes como já tendo “batido no teto” quando comparada às “melhores universidades do mundo”, que têm “cerca da metade”—, o professor Ivan traça um perfil bastante desalentador da UFMG, “ameaçada”, segundo ele, pela “temerária política de inclusão da ordem de 50% patrocinada pelo Congresso e pelo Governo”.

O professor, que se considera um “intelectual à antiga” e entende que a vida intelectual exige “paz de espírito e ambientes mais serenos”, divide a comunidade da UFMG e do Brasil em duas partes: uma “descrente e desesperançosa, depois da fraude do mensalão”, e outra “satisfeita com uma nação governada por um presidente populista, surfando nos 80% de aprovação e certo de que seu papel não é o de estadista... mas de entertainer das massas”.

A excelência e o mérito são, para o professor Ivan, “a essência da academia e a razão de ser da universidade” e, por isso, ele propõe o fortalecimento da pós-graduação, preocupando-se que “no último ranking da Capes não ficamos entre as cinco primeiras universidades classificadas com o conceito 7”. Segundo ele, nossa “chance de crescer” está na multiplicação de “nichos de excelência” e na criação de “uma verdadeira universidade dentro da universidade” que se prepare para “os grandes desafios do futuro”.

Embora não fique claro a que desafios o professor se refere, considero que o desafio do presente para a universidade seja verificar a igualdade, nas palavras de Jacques Rancière, ou seja, enfrentar o sistema de exclusão do povo que vem se perpetuando desde os tempos da colonização. E esse desafio nem sempre se enfrenta em ambientes serenos. É disso que trata o excelente filme de Laurent Cantet, Entre os muros da escola, ambientado numa escola da periferia de Paris onde estudam filhas e filhos de imigrantes, mostrando “o novo rosto de uma Europa que custa a se olhar no espelho”, como escreve Ana Paula Sousa (Carta Capital, 11/3/2009).

Considero que projetos como os dos professores Francisco e Léo, assim como programas como o Conexão de Saberes, do MEC, contribuem para a verdadeira igualdade na universidade. Por outro lado, a multiplicação de “nichos de excelência” sugerida pelo professor Ivan precisa ser discutida, pois ela poderá reforçar o sistema de desigualdade colonialista que tem sustentado a noção de mérito entre nós.

*Professora do Departamento de Psicologia da Fafich

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