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Nº 1646 - Ano 35
30.3.2009

Na cromatografia gasosa monodimensional, uma amostra em solução líquida é inserida em aparelho que torna a solução gasosa. Ao passar por uma coluna, os compostos da mistura são separados e, em seguida, detectados e quantificados em um espectrômetro de massas. Já a cromatografia bidimensional abrangente usa duas colunas em sequência, permitindo a separação e observação, com alto grau de resolução e sensibilidade, de compostos que passam despercebidos pela cromatografia convencional.

Ciência 2.0

Blogs escritos por cientistas ‘decolam’ na rede e geram questões sobre novos modelos de produção e divulgação do conhecimento

Ana Maria Vieira

“Em seu melhor, a academia é um celeiro de ideias. Mas muitos cientistas relutam em abraçar as mais recentes ferramentas da web que lhes permitam comunicá-las de novas maneiras”, escreveu Declan Buttler, repórter da britânica Nature, em artigo publicado na revista, em dezembro de 2005, dedicado a esquadrinhar as repercussões do crescimento dos blogs no meio científico. Seu argumento encontrava suporte em números: entre os cerca de 20 milhões de weblogs existentes, havia apenas “algumas dezenas de blogueiros científicos”.

Foca Lisboa
Maurício
Maurício: troca de experiências

O cenário tem mudado. E a própria Nature, poucos anos após focalizar a resistência do uso das redes colaborativas – a web 2.0 – pela comunidade científica, constata o fato em editoriais e reportagens veiculados nos dois últimos meses: blogs escritos por especialistas, além de terem se disseminado para diversos fins acadêmicos, despontam como espaços que em tese podem rivalizar com mídias tradicionais e com jornalistas no fornecimento da informação científica a públicos especializados e leigos.

Foca Lisboa
Jeha
Jeha: rapidez na divulgação

“Não creio que os blogs substituirão as práticas já formalizadas de troca de informação científica (os periódicos, as defesas etc.) Contudo, os contatos provenientes de ambientes eletrônicos próprios para a troca de experiências científicas podem ampliar a relação entre pesquisadores e, até mesmo, entre grupos de pesquisa”, avalia o doutorando em Letras pela UFMG e professor de jornalismo científico Maurício Guilherme Silva Jr. A natureza aberta dos serviços na área de ciências é, por sua vez, destacada pelo professor Julio Jeha, da Faculdade de Letras. “Os blogs expõem as ideias ao debate e são rápidos na divulgação das pesquisas. Deveriam ser amplamente usados na pós-graduação”, completou.

A migração de peritos dos laboratórios para serviços de informação especializada da web, o corte de editorias de ciência em grandes jornais e emissoras de TV norte-americanos e canadenses, o desejo de especialistas em disseminar a chamada “ ciência pura” diretamente a largas audiências – contrapondo-a ao serviço oferecido pelas assessorias de organizações científicas – são também pontuados pela publicação britânica, em edição de 19 de março, como evidências de mudanças em curso no padrão da divulgação da ciência.

Credibilidade

Alguns dos motores dessas transformações seriam a entrada em cena dos recursos interativos da web 2.0 e a criação de blogs por cientistas reputados e por entidades e periódicos científicos com alto fator de impacto. Coube a eles imprimir credibilidade às informações veiculadas na blogosfera, incentivando a participação de especialistas de todas as áreas do conhecimento.

Exemplos vêm da própria Nature (que também possui serviço de catalogação de blogs), da Public Library of Science (Plos) e do BioMed Central. De acordo com informações divulgadas em fevereiro pelo informativo eletrônico do Centro Latino--Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), ligado à Organização Mundial de Saúde, dos 50 periódicos com maior fator de impacto indexados no Medline, “14 têm um ou mais blogs associados ao site oficial”.

No Brasil, a revista Pesquisa Fapesp já adotou o Twitter, ferramenta de microblog que divulga instantaneamente ideias e notícias. A página lista manchetes, no sistema siga-me: basta clicar para ser direcionado à página original da publicação na web.

Paralelamente aos blogs associados a periódicos e instituições acadêmicas, a web conta também com os espaços escritos por estudantes de pós-graduação, professores universitários e jornalistas especializados. É nesse perfil que se encaixa o blog do projeto de divulgação científica Física Fácil, coordenado pelo professor Aba Cohen, do Departamento de Física da UFMG, e destinado a disseminar conceitos da física a públicos de distintas formações.

Autoria

Como observa Fernando Duarte Castro, em sua dissertação de mestrado defendida em 2007, no curso de Ciência da Computação da UFMG, a ideia de blogs surgiu na década de 1990, e a maioria deles era feita por jornalistas. “Em 2002”, relata Castro, “a revista Newsweek estimou que o número de blogs era de meio milhão, atribuindo essa explosão às facilidades de criação do serviço Blogger.com. No final de novembro de 2006, a blogosfera atingiu a marca de 60 milhões de blogs”, escreveu.
Esses sítios, lembra Castro, assemelham-se a diários pessoais, nos quais as opiniões dos autores encontram-se separadas em publicações, os posts, e organizadas de forma cronológica. O aumento de seus adeptos foi catapultado pela facilidade que a tecnologia proporcionou para a publicação de conteúdos. No entanto, é a capacidade de agregar links e aplicativos da web tradicional e de favorecer a interação de usuários, criando comunidades on-line, que diferencia os blogs e os torna cada vez mais populares, inclusive na academia.

Foca Lisboa
Maurício
Virgílio: dificuldade em atribuir autoria

“Os blogs são fontes de informação e ideias que podem contribuir no processo de investigações científicas”, observa Virgílio Almeida, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG. Como exemplo, ele cita trabalho recente envolvendo os alunos Fabrício Benevenuto (doutorado) e Tiago Rodrigues (graduação) e a pesquisadora Meeyoung Chao, do Instituto Max Planck, da Alemanha. “Em dado momento, ela sugeriu que lêssemos notícia postada em um blog e avaliássemos seu conteúdo como um ponto de avaliação importante para darmos o próximo passo na pesquisa”, relata.

O aspecto apontado pelo professor da UFMG ilustra uma das mais promissoras e polêmicas linhas de comunicação na ciência abertas pelos blogs. Sobre isso, já em 2005, Paul Myers, biólogo da Universidade de Minnesota, afirmava na reportagem “Science in the web age: joint efforts” publicada pela Nature: “Coloque a descrição do seu paper em um weblog e algo inesperado acontecerá”. Mais adiante ele explicava: “Ao compartilhar ideias on-line, você recebe feedback e novas ideias”. Entre os blogs de ciência escritos por especialistas, o de Myers se destaca, recebendo meio milhão de visitas por semana. Denominado Pharyngula, ele ocupa há anos a primeira posição no ranking mundial dessa modalidade de sítio.

Além de permitir interação na rede, por meio de linguagem informal e breve, os blogs respondem mais rapidamente, abarcando diversidade de avaliações de temas de repercussão. Mas, como destaca Virgílio Almeida, um incoveniente é a dificuldade de se dar o devido crédito às pessoas que formularam teses postadas em um blog que ajudaram a compor o escopo do trabalho.

Almeida também relata que o fenômeno da blogosfera tem colocado um novo desafio para as editoras científicas, especialmente sobre seus impactos nas etapas de registro, avaliação, arquivamento e disseminação dos artigos. “Quando é proposto um paper, o editor da revista deve encontrar os pares que são capazes de avaliá-lo”, diz Virgílio. “Logo, é preciso desenvolver ferramentas para chegar a esses nomes, que levam em conta as experiências das redes sociais”, completa.

Leia também a entrevista "Inflação e democracia na rede" com a Profª Beatriz Bretas.