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Nº 1656 - Ano 35
8.6.2009

Escola de mulheres

Livro lançado por professora da Faculdade de Medicina conta a história das parteiras

Luiza Lages

“Talvez os resultados de uma longa prática chamarão a atenção de algumas pessoas estrangeiras à nossa escola.” A fala de Madame Lachapelle, criadora da Escola de Partos de Paris, antecipava o trabalho da professora da UFMG Anayansi Correa Brenes. A cientista social formada na Universidade e atual coordenadora do Núcleo de Estudos Mulher e Saúde (Nems) lança o livro Parteiras: escola de mulheres. Segundo volume da série iniciada com Bruxas, comadres ou parteiras – A obscura história das mulheres e a ciência, a obra retoma o acervo usado em sua tese de doutorado, defendida em 1996. “Dessa vez a história das parteiras é contada por meio de uma composição do passado e do presente, para que as pessoas entendam o que está acontecendo hoje com a profissão”, explica Anayansi Brenes.

A abordagem do livro é muito localizada na França, onde se inicia o movimento. As parteiras descritas pela autora trabalham sob o prisma científico que levou à criação, em 1802, da Escola de Partos de Paris, responsável pela linha de conhecimento ainda hoje existente. “A parteira difere da comadre, que trabalha por vivência própria do parto e oferece um serviço de apoio à comunidade. A profissão de parteira é científica, marcada pelo encontro com a medicina e o saber”, afirma a pesquisadora. Em Paris, as parteiras ainda existem de forma expressiva: atendem nos hospitais, nas comunidades e nas casas de parto.

O texto privilegia o processo de aceitação da arte do parto como ciência, que ainda hoje nutre polêmicas. De acordo com a Rede de Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), há cerca de 60 mil parteiras atuantes no Brasil. “Mas elas trabalham na clandestinidade no perímetro urbano, e na área rural certamente atuam como comadres”, diz Anayansi Brenes, para quem a marginalização do grupo se deve à tomada da cena pela medicina e enfermagem obstetrícias.

Segundo dados do Unicef, a média de 58 mortes para cada mil nascidos vivos em 1990 foi reduzida em 2007 para 22. Esta queda está associada à tecnologia e à melhoria do atendimento hospitalar. Assim a ciência é usada, mais que nunca, como argumento desfavorável à profissão das parteiras. “São preconceitos reforçados pela própria Associação Médica, segundo os quais de uma certa maneira as parteiras foram superadas porque o parto por elas realizado levava à morte de bebês e a sequelas. Historicamente, na verdade, os números relacionados à mortalidade não correspondiam às parteiras, e sim aos médicos”, afirma a pesquisadora.

Mais que o parto

O movimento das parteiras se aproxima da medicina como trabalho expressivo de saúde pública. Foram elas que criaram espaço para o cuidado com o corpo da mulher – na atenção ao parto – com a primeira infância e até com o trabalho de vacinação. Assim, ao mesmo tempo em que lutavam por reconhecimento social, o grupo supria uma carência das mulheres. Segundo Anayansi Brenes, da perspectiva política, as parteiras do século 19 seriam republicanas, originariamente de famílias de pequena burguesia e com o desejo de serem mulheres livres, que não fizeram do casamento a primeira opção.

As parteiras estabeleciam diálogo fluente com as grávidas. “A postura das parteiras era a de permitir à mulher fazer o que quisesse, desde caminhar durante a gravidez até decidir como ter o bebê. Elas entendiam as mulheres e eram mais cúmplices do nascimento”, conta a autora.

Anayansi Brenes publicou em 1990, junto com Ismênia de Lima Martins, a pesquisa “O profissional obstetra em BH hoje”, que refletia sobre o papel do médico obstetra. Uma das constatações do estudo foi que as médicas que trabalhavam na obstetrícia passaram a estranhar a logística do parto e os manuais depois de terem um filho. “Há um olhar feminino muito diferente do olhar masculino na obstetrícia. As mulheres grávidas sabem as diferenças de atendimento; o homem, por maior que seja seu esforço, não consegue entender o parto. A mulher que nunca passou pela situação pode tentar entender por analogias, mas também não será a mesma coisa”, afirma a professora.

Humanização

De acordo com Anayansi Brenes, a proximidade que a parteira estabelece com a mãe se perde com a medicina moderna. “O parto passa pela saúde pública de maneira muito fragmentada, as grávidas chegam a ser atendidas por médicos diferentes durante a gravidez, em esquema de plantão”, relata. Mas a preocupação com a humanização do parto já é patente. A Lei do Acompanhante (nº 11.108), de 2005, garante a todas as mulheres atendidas pelo SUS a possibilidade de ter um acompanhante durante o trabalho de parto. Em 2008, o Ministério da Saúde lançou a Campanha Nacional pelo Parto Natural. Enquanto o Pacto Nacional do Ministério da Saúde recomenda que 25% dos nascimentos sejam conduzidos por meio de cesariana, os médicos utilizam o procedimento em 43% dos partos. No caso dos planos de saúde, essa taxa chega a 80%.

Livro: Parteiras: Escola de Mulheres
Autora: Anayansi Correa Brenes
Publicação independente, com apoio do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina
174 páginas; R$ 40