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Nº 1656 - Ano 35
8.6.2009

Ser ou não ser canguru

Pesquisadora do Cedeplar investiga fatores que levam jovens a prolongar ou abreviar sua permanência na casa dos pais

Patrícia Azevedo

Dizer que o trinômio casa, comida e roupa lavada tem feito muitos jovens adiar ao máximo a saída da casa dos pais não é propriamente uma novidade. Mas que fatores levam a esse comportamento? Morando sozinha desde os 18 anos, Regiane de Carvalho começou a se sentir uma exceção entre os amigos e colegas de faculdade, exemplos típicos da chamada geração canguru, cada vez mais disposta a abrir mão da autonomia em troca da comodidade de viver com os familiares, seja para se estabelecer financeiramente, continuar os estudos, manter o padrão de vida ou mesmo adiar as responsabilidades de uma vida adulta independente.

Observando este cenário, a então estudante de ciências sociais decidiu identificar, em sua dissertação de mestrado, os fatores associados à saída dos jovens brasileiros do domicílio de origem. O trabalho, desenvolvido no âmbito do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Face, analisou características individuais de jovens entre 15 e 34 anos, residentes em áreas urbanas no Brasil, tendo como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Ela se valeu de dados comparados referentes aos anos de 1986, 1996 e 2006.

Os resultados comprovaram as suposições da pesquisadora: entre 1986 e 2006, a proporção de jovens do sexo masculino vivendo com os pais passou de 57,5% para 61,4% e, no caso das mulheres, de 46,3% para 50,4%. “De forma geral, não chega a ser um aumento muito grande, mas quando observamos o grupo dos jovens adultos (25 a 34 anos), nota-se que a proporção aumentou muito mais, principalmente entre os homens, passando de 32,2% para 44% e de 13,7% para 22,2%, entre os jovens de 25 a 29 anos e 30 a 34 anos, respectivamente”, compara a pesquisadora.
Além do elevado e crescente índice de corresidência envolvendo jovens – sobretudo homens – e seus pais, a dissertação revela que a maioria possui alto nível de escolaridade e trabalha. No entanto, a proporção de homens que não trabalham nem estudam e vivem com os pais também aumentou. E diferentemente dos homens, cresceu, entre as mulheres, o índice daquelas que ocupam posição de responsáveis pelo domicílio.

De acordo com a pesquisadora, outro fator que interfere na saída dos jovens brasileiros do domicílio de origem é a raça. Em 1996, os pardos e pretos tinham menos chance de sair de casa se comparados com os brancos. Já em 2006, a menor chance foi observada apenas entre os pardos.

Cultura e família

Apesar do enfoque nas características individuais, Regiane de Carvalho fez uma ampla revisão da literatura sobre o assunto, que trabalha também com aspectos familiares e culturais. Além disso, comparou os dados brasileiros com informações de países europeus e dos Estados Unidos. “Constatei que, no Brasil, as taxas de jovens que moram na casa dos pais são semelhantes às de países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha e Itália, o que é explicado pela forte influência da família nessas culturas”, informa a pesquisadora.

Fatores como viuvez, separação dos pais e número de irmãos podem ser grandes diferenciais na hora de decidir entre ficar em casa ou constituir ninho próprio. “O fato de ter ou não mãe viva foi uma variável muito importante no estudo”, aponta Regiane. Segundo ela, os filhos de mães falecidas têm chances três vezes maiores de sair de casa na comparação com os que têm mãe viva, o que comprova a importância da presença materna no domicílio. “Este fator justifica o título do trabalho – ‘casa, comida e roupa lavada’. Na maioria das vezes, é a mãe que proporciona essas facilidades”, afirma.

Por outro lado, quanto maior o número de irmãos, maior é a disputa pela proteção materna e pelos recursos da casa, o que pode diminuir a permanência dos jovens no domicílio. “Segundo a literatura, quanto maior o número de filhos, maiores são as chances de o jovem sair de casa”, aponta Regiane, que constatou aumento na proporção de jovens na condição de filhos que vivem em domicílios com menor densidade de moradores por dormitório ou cômodo. “Como os jovens de hoje têm menos irmãos do que os jovens da década de 1980, por exemplo, eles teriam mais liberdade e privacidade, mesmo morando com os pais. Não haveria tantos conflitos por espaço e recursos, diminuindo a motivação para a saída.”
De acordo com a professora Paula de Miranda Ribeiro, orientadora da dissertação, o estudo traz contribuições importantes, a começar pelo próprio tema – demografia da família –, ainda pouco estudado no Brasil. “Mostrar a diferença entre brancos, pardos e pretos no que diz respeito à saída do domicílio de origem e a importância da presença materna são alguns dos grandes méritos desse trabalho”, avalia.

Dissertação: Casa, comida e roupa lavada: fatores associados à saída do jovem brasileiro do domicílio de origem
Autora: Regiane Lucinda de Carvalho
Orientadora: Paula de Miranda Ribeiro
Co-orientadora: Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira
Defesa: dia 2 de maio, no programa de pós-graduação em Demografia da Faculdade de Ciências Econômicas (Face)