Busca no site da UFMG

Nº 1669 - Ano 36
28.9.2009

Pesquisa com peptídeo pode resultar
em nova classe de antibióticos

Ana Maria Vieira

As interações entre o peptídeo Distinctina e a membrana de bactérias acabam de ganhar descrição na edição online de 14 de setembro da revista PNAS, da Associação Americana de Ciência. Fruto de trabalho de pesquisadores da UFMG e da Universidade de Strasbourg, na França, a investigação conseguiu detectar rota antes desconhecida sobre a ligação do peptídeo no micro-organismo, capaz de levá-lo à morte imediata.
Secretada na pele de um tipo de perereca da América do Sul, a Phyllomedusa distincta, com função de defesa, a molécula foi isolada no final dos anos 1990 pelo grupo do pesquisador Carlos Bloch Júnior, da Embrapa e UnB. Só agora, no entanto, seu mecanismo de interação com membranas biológicas foi desvendado. “Esses peptídeos são considerados uma nova classe de potenciais antibióticos, podendo servir de modelo para fármacos”, diz a professora Dorila Piló Veloso, do Departamento de Química da UFMG e uma das autoras do artigo.

Devido ao aumento da resistência a antibióticos por micro-organismos, os peptídeos antimicrobianos, como a Distinctina, ganham atenção especial no meio científico. O diferencial de muitos deles consiste na capacidade de quebrar o invólucro do micróbio, acarretando sua morte, antes que ocorra qualquer tentativa de defesa. A Distinctina mostrou atividade sobre fungos e bactérias gram-positivas e gram-negativas.

Para aproveitar esse potencial, no entanto, era necessário descrever o modo como ela interage com os “invasores”. O trabalho do grupo da UFMG – que contou com a colaboração do Departamento de Química da Universidade de Strasbourg – envolveu a síntese da Distinctina e a análise das estruturas químicas que ela adota em meio biológico. “A ação do peptídeo está vinculada à maneira como se estrutura no meio biológico”, explica a professora.

Por meio de técnicas como dicroísmo circular e ressonância magnética nuclear (RMN), os pesquisadores observaram que em ambiente aquoso – como o da corrente sanguínea, por exemplo – a molécula passa por um rearranjo de sua estrutura ao encontrar a membrana da bactéria. Essa alteração permite que ela praticamente se abra sobre a membrana, na qual uma de suas cadeias se ancora a partir de uma extremidade, enquanto sua outra cadeia se lança mais livremente, para romper a capa do micro-organismo. Por meio da escavação, essa “mão” promove a morte celular do invasor.

Nova forma

A Distinctina é formada por duas cadeias peptídicas. Trata-se de uma estrutura heterodimérica, assim chamada por ser constituída por cadeias com número diferente de aminoácidos. Em meio aquoso, dois pares do heterodímero se associam formando um arranjo tetramérico. O que mantém o tetrâmero unido no meio aquoso são as interações hidrofóbicas entre as cadeias peptídicas. “Quando o tetrâmero se aproxima da bactéria e se abre, essas interações exclusivas entre peptídeos são substituídas por outras entre peptídeos e lipídeos presentes na membrana”, explica Jarbas Magalhães Resende, professor do Departamento de Química, coautor do artigo. É nesse momento que ocorre o rearranjo conformacional da Distinctina.

“O modelo, que mostra os dímeros se separando, abrindo e interagindo com a membrana biológica, ainda não havia sido caracterizado para esse tipo de peptídeo heterodimérico”, observa o pesquisador, ao ressaltar a contribuição dos estudos para o conhecimento teórico e prático sobre essa classe de substância.

A investigação da relação entre conformações das estruturas químicas e a atividade biológica do peptídeo permitirá, daqui para frente, realizar modificações na sequência de sua estrutura primária. O objetivo é identificar o que alterar para aumentar a eficácia de sua atividade biológica, inclusive para fins de produção de fármacos.

“O primeiro estudo de peptídeo com ação antimicrobiana foi publicado em 1952. Hoje, mais de mil já estão classificados com esse tipo de atividade – anticâncer, anti-HIV e outros – e cerca de uma centena já são comercializados”, esclarece Dorila Piló.

O trabalho do grupo da UFMG iniciou-se em 2005, a partir de acordo Capes-Cofecub. Ele já resultou em outros três artigos para publicações internacionais, duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado – além de duas teses em andamento, todas sobre peptídeos secretados por animais. O grupo é financiado pela Fapemig e pelo CNPq.

Artigo: Membrane structure and conformational changes of the antibiotic heterodimeric peptide distinctin by solid-state NMR spectroscopy*
Autores: Jarbas M. Resende, Cléria Mendonça Moraes, Victor H. O. Munhoz, Rodrigo M. Verly, Amary Cesar, Dorila Piló-Veloso (Departamento de Química, UFMG) e Christopher Aisenbrey, Philippe Bertani, Burkhard Bechinger (Université de Strasbourg, Institut de Chimie, 4, França)
*PNAS - www.pnas.org