Busca no site da UFMG

Nº 1669 - Ano 36
28.9.2009

História sob novo olhar

Livro que reúne pesquisas de pós-graduação põe em pauta conceito de cultura política

Itamar Rigueira Jr.

Uma análise do período recente de ditadura militar no Brasil comporta bem comparações com o caso da Argentina. E certamente vai incluir abordagem de diferenças marcantes entre os dois países, como a tendência à conciliação e aos arranjos, por aqui, em contraste com a vocação para o conflito entre as forças políticas da nação vizinha. Esse exemplo ajuda a entender o conceito de cultura política, que organiza linha de pesquisa da pós-graduação em História, na Fafich.

Incorporado recentemente às pesquisas em História, o conceito ganha atenção ainda maior com a publicação do livro Culturas políticas na História: novos estudos, organizado pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta. Além de artigo do próprio Sá Motta, a edição tem outros nove encomendados a ex-alunos de mestrado, que abordaram os temas de suas respectivas dissertações sob aspectos relacionados mais de perto com a concepção de cultura política.

Em seu artigo, o organizador afirma que uma definição adequada para cultura política pode ser o “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro”. E destaca que a necessidade de investigar mais o assunto está vinculada à importância da melhor compreensão de fenômenos como o republicanismo, o trabalhismo, o liberalismo e mesmo o comunismo, “que está longe de ser esgotado”.

Rodrigo Sá Motta acrescenta, em entrevista, que o conceito ajuda a perceber como certas representações e práticas se reproduzem ao longo do tempo e como características culturais, crenças e formas de fidelidade a líderes determinam o comportamento político. Ele ressalta que falar de cultura política só faz sentido quando se trata de fenômenos estruturados e duradouros, e que a ideia não é determinada por questões de classe. “Historicamente, todas as grandes culturas políticas atraem adesões de todos os recortes sociológicos”, afirma o professor.

Escotismo e greve de policiais

O livro oferece ampla cobertura para o tema sob os pontos de vista histórico, geográfico e temporal. O segundo capítulo, assinado por Adalson de Oliveira Nascimento, relaciona o movimento escoteiro e a cultura política nacionalista na primeira metade do século 20, no Brasil. Ao justificar a inclusão de uma análise do escotismo, Sá Motta lembra que o movimento surgiu no auge do nacionalismo, e que sobretudo até a década de 1940 foi muito politizado. “Os Estados totalitários controlaram e absorveram o escotismo, com o objetivo, por exemplo, de promover valores como patriotismo”, ele diz.

Outro estudo selecionado pelo organizador teve como foco a forma como o comunismo valorizava o papel das mulheres, libertadas da opressão e da moralidade tradicional burguesas. Betzaida Mata Machado Tavares analisa as trajetórias de Leocádia Prestes – mãe do líder Luis Carlos Prestes – e Elisa Branco, usadas como modelos de militantes, e mostra, segundo Sá Motta, que nem sempre os valores pregados eram praticados.

Outro trabalho investiga as relações entre a cultura policial militar e a ação de greve coletiva. Juniele Rabêlo de Almeida, que hoje integra o Núcleo de Estudos em História Oral da USP, analisou o movimento reivindicatório dos policiais mineiros de 1997, em Belo Horizonte. Segundo ela, o movimento caracterizou-se por ter repercutido no cenário nacional e por ter alcançado apoio expressivo de segmentos da população da capital. “A greve colocou em cena policiais militares, fardados e armados, contra a Força de Legalidade e apontou novo repertório da ação coletiva policial militar, indicando o relacionamento dos princípios grevistas com a estrutura de uma corporação marcada pela disciplina e pela hierarquia”, comenta a pesquisadora.


Livro: Culturas políticas na História: novos estudos
Organizador: Rodrigo Patto Sá Motta
Editora: Argumentum
230 páginas / R$ 30