Busca no site da UFMG

Nº 1675 - Ano 36
9.11.2009


O caminho é negociar

Flávio de Almeida

“Dialético na análise e cartesiano na decisão” pode ser interpretado como um lema que traduz o estilo do professor Clélio Campolina Diniz, da Faculdade de Ciências Econômicas, vencedor da consulta à comunidade universitária que subsidiará a escolha do novo reitor da UFMG.

Escolhido com 67,73% dos votos válidos, Campolina se diz avesso a medidas de impacto e a decisões verticalizadas. Nesta entrevista ao BOLETIM concedida horas depois do término da apuração, ele defendeu a construção de um ambiente de trabalho colaborativo e a necessidade de negociações intensas com o governo federal para solucionar problemas históricos, como a falta de autonomia, a gestão dos hospitais universitários e a assistência estudantil.

Campolina considera uma “grande realização pessoal e profissional” dirigir a principal universidade de Minas Gerais nos próximos quatro anos. Mas se preocupa com os desafios que o esperam. “Tamanho e qualidade não são coisas simples de compatibilizar”, adverte ele, ao referir-se à expansão proporcionada pelo Reuni.

O significa para o senhor ser reitor da UFMG?
Trata-se de uma grande realização pessoal e profissional. Entrei para a Universidade como professor colaborador, em 1976, fui diretor do Cedeplar por dois mandatos, chefe do Departamento de Economia, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas por oito anos e representante da área de Economia no Conselho Técnico e Científico da Capes. Todos esses cargos foram ocupados sempre que era convocado pelos colegas. E o mesmo ocorreu agora, com a candidatura a reitor. Fui mobilizado por vários pares da Universidade, dos três segmentos. Pensei muito, avaliei se estava em condições de exercer o cargo e assumi essa tarefa. Eu a recebo com muita honra e também com muita preocupação.

O que o preocupa?
A preocupação é manter a qualidade da Universidade, principalmente com a expansão em curso. Tamanho e qualidade não são coisas simples de compatibilizar. O Reuni é um projeto de grande importância, mas ele traz desafios. Combinar qualidade com crescimento é tarefa que vai exigir grande esforço coletivo. O Reitorado tem a responsabilidade de coordenar, conduzir e representar a Universidade, mas isso só pode ser feito de forma conjunta, a partir de uma boa articulação com as unidades para criar um ambiente de trabalho participativo e colaborativo.

Como o senhor está montando a agenda de transição?
Não comecei a fazer a agenda de transição, pois faltam quatro meses e meio para o término do atual Reitorado. Ao longo da campanha, discutimos vários aspectos para compor nosso programa de ação, e vamos continuar aprofundando esses estudos, dialogando com a comunidade.

Em sua plataforma, o senhor fala em repensar o papel das fundações de apoio. Como isso será feito?
As fundações de apoio são necessárias para o funcionamento de uma universidade no presente estágio de organização institucional. Sem as fundações, a pós-graduação, a pesquisa e o ensino não estariam no atual patamar. Como não há autonomia de gestão financeira, não temos autonomia administrativa. As fundações foram criadas para suprir essas lacunas. Agora, as fundações devem estar a serviço da Universidade e, para isso, precisam ser avaliadas, acompanhadas com transparência e passar pelos ajustes que forem necessários.

De antemão, o senhor vislumbra algum aspecto que precisa ser ajustado na relação com a Fundep?
Se alcançarmos maior autonomia financeira e administrativa, parte das funções atualmente exercidas pelas fundações talvez possam ser dispensadas. Mas isso tem que ser avaliado. Também precisamos construir uma solução junto ao governo federal para o Hospital Universitário, um grande encargo para a Fundep, sem a qual ele não funcionaria. Enfim, não há soluções isoladas, nós precisamos construí-las. Não tenho nenhuma medida de impacto a anunciar, vamos estudar isso de forma detalhada.

Sua candidatura propôs a reconstrução das carreiras e políticas de recursos humanos, sugerindo inclusive a criação de um RJU próprio para os servidores das universidades federais. Isso não exige uma articulação para além dos muros da UFMG?
Isso é totalmente externo à UFMG. É pauta única de negociação com o governo e que provavelmente terá que chegar ao presidente da República. Já existe carreira única para várias áreas, como Banco Central, Polícia Federal e Fazenda. Não é nenhuma anomalia a criação de carreiras próprias para as universidades. O problema mais grave está na carreira técnica e administrativa, composta hoje por cinco faixas, e que não permite a transição de uma para outra, sem novo concurso. Não existe nenhuma forma de ascensão funcional. Ou seja, não há estímulo para o servidor construir sua carreira funcional. Existem muitas funções para as quais não há os cargos e salários correspondentes para a Universidade contratar. Um exemplo é a área de informática, que tem boa parte de seus profissionais terceirizada pelas fundações.

O que a sua gestão planeja para os campi?
A gestão dos campi ou cidades universitárias é uma questão central, e o problema maior é a cidade universitária da Pampulha, que já está muito adensada. Há problemas de trânsito, que exigem uma interface com o poder público, de estacionamento, de restaurantes, de controle de resíduos e de segurança. Teremos que preparar um plano detalhado de gestão do campus universitário para incluir todas essas dimensões. O maior desafio é a questão do automóvel. A cultura do automóvel está condenada no Brasil e no mundo, e a cidade universitária também enfrentará muitos problemas com a quantidade de veículos que circulam por aqui. A solução é um transporte público que reduza a necessidade de automóveis. Isso não é solução fácil. Havia esperança de que, com a Copa de 2014, o metrô chegasse à Pampulha. No momento, presenciamos a duplicação da avenida Antônio Carlos. Mas essas medidas me parecem insuficientes. Vamos ter que negociar e achar uma solução, seja buscando mais espaços para estacionamento ou alguma medida para restringir a circulação de automóveis.

A assistência estudantil sofreu um baque com a decisão do STF de proibir a cobrança da contribuição ao fundo de bolsas. Como dar conta da crescente demanda nessa área, sem esse aporte de recursos?
Foi uma decisão das mais equivocadas. A contribuição não era para a UFMG, era para prover a assistência a estudantes carentes. A Universidade sentou com o governo federal e conseguiu aporte de R$ 9 milhões para este ano. Não temos outro caminho senão uma negociação pesada, ano a ano, com o governo federal para assegurar os recursos. Tentaremos identificar novas fontes, mas no momento elas não existem. As contribuições espontâneas têm se revelado insuficientes. Além de suas qualificações profissionais e éticas, a questão da assistência foi um dos motivos que me levaram a convidar a professora Rocksane Norton para ser minha companheira de chapa. Ela conhece bem a área da assistência e a de saúde, duas de nossas grandes preocupações.

Já existe carreira única para várias áreas, como Banco Central, Polícia Federal e Fazenda. Não é nenhuma anomalia a criação de carreiras próprias para as universidades.

No caso da área de saúde, sua preocupação é o Hospital das Clínicas?
Essa é outra situação que exigirá intensa negociação com o governo federal para assegurar recursos financeiros e humanos. O HC tem 1.800 servidores da União e 900 contratados pela Fundep. O presidente Lula assegurou que, antes de terminar o seu mandato, terá solução para os 46 hospitais universitários brasileiros – todos endividados.

Que políticas a sua gestão adotará para aprofundar o processo de inclusão social e democratização do acesso ao ensino?
A UFMG e o governo federal deram passos largos nesse sentido. O governo, por meio do Reuni, e a UFMG, ao aprovar, no ano passado, o bônus racial e para estudantes de escolas públicas. Não temos nenhuma medida nova. Vamos avaliar o impacto dessas políticas e fazer os ajustes necessários.

O senhor acha que elas são suficientes?
A Universidade está fazendo o possível. Não temos condições de propor mais nada. Seria uma irresponsabilidade. A expansão propiciada pelo Reuni já é muito grande, não seria sustentável.

A UFMG é uma universidade muito bem cotada em rankings, indicadores e outros mecanismos de avaliação. Onde ela é mais forte? Em que áreas ela é mais frágil?
Algumas áreas estão muito mais consolidadas que outras. É uma universidade de excelência, mas diversa. Temos áreas de padrão internacional e outras mais novas. É preciso fazer um acompanhamento permanente para assegurar a qualidade dos cursos de excelência e a ascensão daqueles menos consolidados.

Que áreas o senhor acha que precisam de uma ação mais direcionada, induzida?
A Universidade não pode funcionar de cima para baixo. Qualquer proposta que eu faça isoladamente teria caráter extemporâneo. Conheço bem a Universidade, vou discutir com todos os dirigentes e tentar identificar, de maneira solidária, as decisões que precisam ser tomadas. Nesse sentido, a experiência do projeto Campus 2000 é reveladora. Montamos uma comissão de acompanhamento na qual as prioridades foram definidas coletivamente, incluindo a administração dos recursos financeiros, o que deu legitimidade ao processo. Democracia é simples: ser dialético na análise e cartesiano na ação. Não deixo de decidir, mas é preciso decidir com legitimidade, conversando com as pessoas.

Existe algum projeto que gostaria que ficasse registrado como marca de sua gestão ao final do mandato?
O que desejo é que, ao final da minha gestão, a UFMG mantenha – e amplie – o seu nível de excelência. Quero que a Universidade tenha qualidade, mas não a partir de um projeto personalista. O projeto tem que ser da instituição. Qualidade, inclusão e reconhecimento internacional são os grandes desafios daqui para frente.