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Nº 1681 - Ano 36
1.2.2010


Um portal para o software livre

Ana Maria Vieira

A partir deste ano, portal internacional que abriga softwares livres criados a partir da colaboração entre desenvolvedores da América Latina e do Caribe estará on-line. Fruto de parceria entre o Ministério do Planejamento e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o projeto conta com participação significativa da UFMG.

“Esse trabalho deverá promover mudança de paradigmas no mercado”, avalia o professor Wagner Meira Jr., do Departamento de Ciência da Computação (DCC), que coordena a primeira célula em atividade do programa, denominado Rede Colaborativa de Software Livre (www.pnud.org.br/rcsla). Em entrevista ao BOLETIM, Meira refletiu sobre as repercussões do projeto.

Qual o histórico da participação da UFMG no portal?

A participação na rede do Pnud começou em 2007 e acabou tomando esse viés de abarcar as iniciativas relativas ao software público e, mais recentemente, o software público internacional. A UFMG participa desde o primeiro momento desse processo, por meio do Laboratório de Software Livre do DCC. Ele é uma célula da Rede Colaborativa de Software Livre e Aberto da América Latina e Caribe (RCSLA). A questão do software público sempre produziu uma discussão extensa sobre sua regulamentação e está muito presente na Instituição e dentro do Estado. A RCSLA é apoiada pelo governo, mas trata-se de uma organização não-governamental. A ideia é que tenha maior robustez e longevidade. Para esse objetivo, o Pnud é um parceiro ideal na intermediação entre governos e instituições. Mesmo porque as relações na Rede têm de estar pautadas em produtos.

Qual a linha de produtos da UFMG?

Entramos tecnicamente na Rede dentro da área de inteligência de negócios, com programas como Armazém de Dados e Tamanduá (que utiliza técnicas de mineração para estabelecer associações entre grandes bancos de dados). Temos uma discussão sobre como transformar os softwares livres que desenvolvemos em softwares públicos. Obviamente, isso depende de uma série de trâmites burocráticos.

Quais repercussões a Rede pode produzir nesse aspecto?

A legislação de software público ainda está inconclusa no Brasil. Claramente, o país é uma potência em termos de produção de software na América Latina. A partir do momento em que houver esse tipo de mecanismo, a rede de colaboração se expande como mercado e modelo para a produção de software na região.

Os softwares disponíveis no Portal, nesse primeiro momento, são para instituições públicas?

Sim. Eles estão dentro de um modelo de governança eletrônica, mas há programas também de infraestrutura que valem para qualquer tipo de organização.

Restrições de linguagem foram sanadas?

O problema de linguagem é, reconhecidamente, muito sério. Mas tivemos a preocupação de dotá-los de um recurso conhecido como localização, espécie de mensagem que prepara o software para tradução.

Não é incomum a ferramenta ser livre, mas o treinamento para implementá-la ter um custo financeiro...

O que ocorre é que o modelo de negócio de diversos softwares livres muitas vezes se reduz a vender suporte e manutenção. Nesse sentido, tudo o que se destina a facilitar a vida do usuário é pago.

O que o senhor destacaria no conceito de software público?

Seu sentido de interesse público. Nesse aspecto, a ideia é que ele tenha canais próprios de financiamento. A lógica do software público abarca também sua fonte de financiamento: o dinheiro público pode ser melhor utilizado porque um programa customizado vai atender mais instituições. Hoje em dia, o modelo de requisição de software do governo é todo fragmentado.

É necessária uma política de Estado...

É. A ideia de software público, tecnicamente, é algo interessante. Vamos supor que várias universidades desejam usar determinada ferramenta para desenvolver seus sites, mas faltam nela algumas funcionalidades. No modelo de software público, elas se reúnem, identificam o que desejam e formam espécie de caixa para bancar suas propostas. Como o software é público, tudo o que for desenvolvido será incorporado à própria ferramenta e todas as universidades vão se beneficiar desse processo. Mas esse recurso não está restrito ao ambiente de instituições governamentais; isso se aplicaria a instituições privadas também. A discussão do software como bem público promove uma mudança de paradigma no processo.

O recebimento de financiamento público não caracterizaria concorrência desleal?

É um modelo diferente de negócio. O mercado está acostumado a vender licenças individuais. Ele não pensa nessa lógica que acabei de expor, segundo a qual várias pessoas podem comprar de desenvolvedores diversos. Há um problema sério na área: todos querem pagar pouco – o que é legítimo –, mas ao mesmo tempo, se o produtor de software recebe pouco, a qualidade do produto tende a cair. A quebra dessa lógica reside na estratégia de adotar o software público: se várias instituições pagarem o que estiverem dispostas em sua customização, o produtor terá um montante de recursos maior e conseguirá gerar um software melhor.

Outro argumento crítico é que o desenvolvimento de um software demora muito, ao passo que o mercado já conseguiu reduzir o preço de novas ferramentas...

Mas o mercado está reduzindo o preço porque existe uma pressão do software gratuito.

Essa concorrência é expressiva?

Sim. Até nesse sentido, a questão do software livre é importante, porque tira o mercado de uma posição de comodismo. Se ele não agregar valor, vai perder.