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Nº 1681 - Ano 36
1.2.2010

Veneno ou elixir?

Livro da Editora UFMG reúne o que há de mais atual nas pesquisas sobre toxinas animais

Igor Lage

Quem não conhece a história da madrasta malvada que tenta matar a Branca de Neve com uma maçã envenenada, ou a tragédia de Romeu, que bebe um veneno letal ao pensar que havia perdido a sua amada Julieta? No imaginário popular, a palavra “veneno” é imediatamente associada a perigo e risco de morte, mas estudos realizados no campo da saúde e da biotecnologia nos últimos anos mostram que as substâncias encontradas em venenos animais podem ter aplicações benéficas para o ser humano.

O livro Animal toxins: state of the art, lançado pela Editora UFMG, faz um apanhado dessas pesquisas e as organiza em uma espécie de catálogo com uma revisão das estruturas, funções e aplicações de diversas toxinas encontradas em animais marinhos, artrópodes e serpentes. A professora Maria Elena de Lima, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), coordenou o trabalho de edição da obra em inglês, que envolveu mais de 120 pesquisadores do mundo inteiro.

“O veneno animal é um coquetel de vários compostos, sendo alguns tóxicos, outros não. Alguns chegam mesmo a ser letais para o homem ou para outros animais”, esclarece a professora, lembrando que certos compostos, quando isolados e estudados em laboratório, podem ser utilizados em pesquisas que ajudam a entender o funcionamento de diversos sistemas no organismo ou mesmo levar à produção de fármacos.

Segundo a pesquisadora, toxinas e outros compostos de interesse podem ser utilizados diretamente ou submetidos a alterações químicas e testados em modelos animais, em células em cultura ou em outros sistemas experimentais. “Vários ensaios nos permitem entender as ações biológicas das toxinas/compostos em nível molecular”, analisa. O resultado desse processo ajuda a diferenciar as toxinas que podem ser benéficas das que representam ameaça ao organismo. A aplicação dessas substâncias varia de acordo com suas características e ações no organismo. Toxinas com propriedades analgésicas, antibióticas, anticancerígenas, anti-hipertensivas, por exemplo, podem ser utilizadas no desenvolvimento de medicamentos para pacientes que não respondem ou apresentam resistência aos tratamentos convencionais.

Em alguns países, certos fármacos já foram produzidos tendo como modelo toxinas animais. Nos EUA, por exemplo, há um medicamento (Prialt® ou ziconotide) à base de peptídeos extraídos do veneno de moluscos marinhos que age diretamente nos canais iônicos, estruturas responsáveis pela resposta celular envolvida no processo da dor. “Esse medicamento é utilizado para combater a dor crônica de pacientes terminais que não respondem à morfina”, afirma Maria Elena.

Uma das pesquisas realizadas no Laboratório de Venenos e Toxinas Animais do ICB, sob a coordenação da professora Maria Elena, durante o doutorado da aluna Kenia Nunes Pedrosa, utilizou o veneno da aranha armadeira (Phoneutria nigriventer), um dos aracnídeos mais venenosos do mundo. A pesquisa decorreu de observações anteriores de que alguns pacientes picados pela armadeira apresentavam ereção involuntária e dolorosa, efeito de certas toxinas encontradas no veneno da aranha. Ao utilizar uma delas (isolada pelo grupo de pesquisa da Fundação Ezequiel Dias) e aplicá-la em ratos que apresentavam dificuldades de ereção, Kenia verificou que a substância é capaz de normalizar a função erétil do animal. “Essa descoberta poderá resultar em um medicamento nacional equivalente ao Viagra”, afirma Maria Elena, orientadora da tese.

Retorno

Desde seu lançamento, Animal toxins vem colhendo críticas favoráveis das comunidades acadêmica e cientifica internacional. Alguns sites já disponibilizam o livro para compra e a Toxicon, uma das mais importantes publicações internacionais na área de toxinologia, fez comentários elogiosos à obra. “Recebi vários e-mails de pesquisadores de todo o mundo, que contribuíram ou não com o projeto, comentando que estavam muito satisfeitos com o resultado final”, completa.

Para a organizadora, um dos trunfos do livro é a participação de pesquisadores de ponta de mais de 20 países, como Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra, Tunísia e China.

Maria Elena conta que recebeu a proposta de publicar o livro por uma editora estrangeira, mas que preferiu lançá-lo por uma nacional, a Editora UFMG, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e da Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa (Fundep).

Livro: Animal toxins: state of the art – Perspectives in health and biotechnology
Editora-chefe: Maria Elena de Lima
Editores: Adriano Monteiro de Castro Pimenta, Marie France Matin-Eauclaire e Russolina Benedeta Zingali
Editor-consultor: Hervé Rochat
Editora UFMG
752 páginas
R$ 205