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Nº 1687 - Ano 36
22.3.2010

opiniao

Autores de significados, produtores do presente

Silvania Sousa do Nascimento*

““São vários os motivos que levam a Universidade Federal de Minas Gerais a se sentir honrada em participar do projeto Circuito Cultural da Praça da Liberdade. A ação cultural e o campo da cultura constituem, hoje, um lugar privilegiado na construção de sociedades mais democráticas, nas quais o direito à cidadania possa ser exercido de forma sempre mais consequente e sempre mais generosa“. Professora Ana Lúcia Gazzola (25/11/2005)

Em meio a essas palavras da então reitora da UFMG, proferidas naquela tarde de novembro de 2005, no anexo do Palácio dos Despachos do Estado de Minas Gerais, assistimos a mais uma assinatura de protocolo de intenções para a construção de um espaço de ciências em Belo Horizonte. Chamado naquele momento de Praça da Ciência, seu principal destaque era aguardado por muitas gerações: o primeiro planetário do estado.

Eu não posso lembrar de quantas vezes participei de discussões preliminares para a criação de tal espaço, mas nos baús da Universidade certamente um dia essa história será contada. O tão “sonhado planetário de Belo Horizonte”, fruto de desejo e discórdia, cresceu e certamente encantará jovens e aqueles nem tão jovens assim. Um planetário, por si só, não representa um projeto de alfabetização ou letramento científico, mas associado a um planejamento mais amplo pode vir a ser uma ferramenta importante para muitas formas de produção de conhecimento. Atualmente, muitas pessoas falam das relações educativas, da divulgação das ciências ou das relações pedagógicas, contudo, sendo posições enunciativas diferentes, refletem concepções divergentes de uma educação cidadã. Assim, realmente são vários os motivos que podem levar uma universidade de reconhecida competência a se “sentir honrada” em investir seu corpo docente na aventura da gestão do Espaço TIM UFMG do Conhecimento.

Desconheço a justificativa do nome, mas ele me lembra outras marcas da íntima relação público-privado a que temos assistido recentemente, como o Cosmo-Caixa, reformulação do antigo museu de ciências de Barcelona. O de Belo Horizonte, além da referência aos seus gestores, se autodenomina “espaço do conhecimento”. Podemos perguntar qual conhecimento ou a quem pertence tal conhecimento. Na esteira da tendência dos novos espaços de cultura, o Espaço TIM UFMG do Conhecimento promete manter uma interface de comunicação pública de conteúdos digitais interagindo com a paisagem da cidade.

Esperamos apresentar a dinâmica da produção de conhecimentos de diferentes bases epistemológicas: do conhecimento tradicional ao aberto e controverso em vias de consolidação. Independentemente dos meandros de consolidação do projeto, não podemos negar a importância da oferta de um equipamento cultural de tal porte à população de Belo Horizonte e aos mineiros. A presença de um planetário, com sua potencialidade e limitação, sempre esteve no horizonte do projeto. Mas outros horizontes foram visados e abandonados, o que é constante em grandes investimentos, que negociam relações entre o público e o privado e somam tensões entre curadorias múltiplas.

Não posso aqui emitir uma opinião sobre um espaço do qual conheço somente a interface pública, encontrada na mídia eletrônica e impressa ou projetada no cubo opaco da fachada. Acredito que essa interface pública evoluirá com o tempo e o cubo opaco irá se abrir formando uma ou várias janelas interativas. Possivelmente nessas janelas a generosidade do encontro entre culturas vai se construir: na diferença e na tolerância com o que vem do outro. Enquanto pesquisadora da área de museus e de divulgação das ciências, venho acompanhando o movimento de desenvolvimento de projetos dessa natureza. O contexto nacional é marcado pela expansão da área cultural e novos equipamentos urbanos podem, em futuro breve, mudar a relação do cidadão com a cultura científica. A evolução do conceito de museu de ciências para centros de ciências mostra essa dinâmica e a mutação constante que necessita da constituição de laços de pertencimento e de memória para garantir a permanência do presente e do futuro. Outras instituições também estão mudando e a relação do cidadão com a cidade, igualmente, se renova. O grande investimento público em instituições de cultura e lazer mostra que nossa população já não carece somente de equipamentos de saúde e educação, mas demanda a elaboração dos conceitos de lazer científico e de tempo livre.

No Circuito Cultural da Praça da Liberdade, local carregado de valor simbólico para os mineiros, a presença da ciência evocando as tecnologias digitais de forma artística pode ser um bom convite para a apropriação de conhecimentos de diferentes campos. Isso veremos com o tempo. A mídia digital oferece novas formas de produção e de mediação do conhecimento e certamente trará novos desafios para os gestores do Espaço do Conhecimento. O aspecto interativo dos equipamentos culturais disponíveis na sociedade muda a relação dos sujeitos, que precisam ser considerados coautores de significados. Desejo que os visitantes parem e olhem, recebam o convite, entrem, se sintam donos dos dígitos... que falem, falem muito de ciências e escutem um pouco, bem pouco... e que, sobretudo, sintam-se coprodutores desse presente.

* Professora e coordenadora do Laboratório de Estudos Museu e Escola, da Faculdade de Educação

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