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Nº 1687 - Ano 36
22.3.2010


“Nossa capacidade não é o limite da UFMG”

Ana Rita Araújo

De 2004 a 2009, a UFMG gerou aproximadamente R$ 1,2 milhão de royalties com patentes e está entre as instituições do país com maior número de depósitos internacionais. Apesar disso, a área encarregada da proteção da produção científica ainda não é autossustentável, ou seja, não consegue arcar com os custos para manter a sua estrutura, e enfrenta agora o desafio de treinar profissionais e ampliar a equipe responsável pelos processos de registro de patentes e de transferência de tecnologia.

Quase 15 anos depois de criar essa estrutura – a Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) –, a UFMG precisa ampliar interna e externamente a cultura de valorização da propriedade intelectual, avalia o diretor, professor Rubén Dario Sinisterra. “Não se trata só das patentes, mas da propriedade intelectual, que é toda a criação do ser humano e abrange todas as atividades de uma universidade, que produz as artes, as humanas, as ciências e as tecnologias”, define ele, nesta entrevista ao BOLETIM.

As patentes são uma atividade autossustentável?

Podem vir a ser, mas por enquanto as despesas com esse processo têm sido divididas entre UFMG, Fundo Fundep, Fapemig e Finep. Para se ter uma ideia, o custo de uma patente nacional varia de R$1.500 a R$2.000, enquanto a internacional vai de US$10 mil a US$15 mil. Os países com sistemas de inovação e processos de transferência consolidados são autossustentáveis. E, pelo que observamos de nossos resultados, também seremos, desde que os esforços até agora empreendidos tenham continuidade.

Para alcançar esse patamar, a CTIT terá que incorporar mais atividades?

Sim, a ponto de se transformar em um Centro de Transferência e Inovação Tecnológica, que deve fazer essa interface do que é produzido na academia com o mercado. Mas temos um grande atraso, um acúmulo de coisas que não se fizeram, e não é de um momento para outro que vamos conseguir sair desse passivo. Em 2005, fizemos 19 depósitos de patentes, em 2006 pulamos para 32. Isso foi alcançado com a profissionalização de procedimentos. Criamos na CTIT uma divisão de redação de relatórios descritivos de patentes, com profissionais especializados. Temos engenheiros, advogados, doutores em Química e em Biotecnologia e mestrandos em Farmácia. Essa equipe, de oito pessoas, é capaz de redigir patentes, mas só temos condições de atender de quatro a cinco processos por mês. Em 2007 efetuamos 41 depósitos, no ano seguinte, 42 e, em 2009, pressionando toda a nossa estrutura, chegamos a 45. Esse é o limite da nossa capacidade, não o limite da UFMG. Temos muito mais demanda do que conseguimos atender, sem falar no trabalho de transferência, porque as patentes são o início do processo. Embora esse conceito de que é preciso ter patente para fazer transferência de tecnologia esteja mudando, já que também trabalhamos com um banco de know-how.

O que é esse banco?

Ele lida com processos que não cumprem os rígidos requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. É como se um segredo da UFMG fosse transferido para uma empresa, resultando em produto de grande valor comercial. Isso foi feito, por exemplo, com a vacina contra leishmania. A patente só veio depois. O risco é que, com o know-how, não há a proteção legal.

Qual o estágio da UFMG em transferência de tecnologia?

Evoluímos muito: saltamos de quatro transferências, em 2004, para 19, em 2009. Não fizemos mais devido aos gargalos administrativos e burocráticos. Se quisermos que o conhecimento e a tecnologia gerados na Universidade se convertam em processos e produtos, temos que inovar em todas as instâncias administrativas e agilizar processos. Não dá mais para aguardar seis meses um parecer jurídico para transferência de tecnologia, pois trabalhamos com assuntos que têm temporalidade. Precisamos de mais gente, de uma equipe específica para os processos de transferência.

A questão jurídica é o maior entrave?

Começam a surgir outros aspectos, como questões éticas na integração universidade-empresa. Um exemplo é a possibilidade de uso pelas empresas de laboratórios da Universidade. Pensamos em criar uma instância especial para análise de conflito de interesses e outros instrumentos que garantam à instituição e à sociedade a transparência dos processos. Além disso, estamos profissionalizando procedimentos, com o estabelecimento de boas práticas, criação de regras e harmonização de processos que definem como um projeto deve caminhar nas unidades acadêmicas para chegar à CTIT.

Apenas uma pequena parte das patentes se transforma em produtos e há quem aponte como responsável a falta de visão do empresariado brasileiro...

Quando se cobra da sociedade, a batata quente volta para a universidade, porque é ela quem forma pessoas. O empresariado precisa fazer sua parte e precisamos de políticas públicas que melhorem a interlocução universidade-empresa. Mas 95% do conhecimento produzido no país ainda está concentrado nas universidades. Em muitos casos, a empresa não tem capacidade sequer de receber aquela tecnologia gerada na instituição. Precisamos treinar e formar mais. Quanto mais gente formarmos com essa mentalidade, melhor a nossa interlocução com as empresas, porque é para lá que vão os nossos alunos.

As patentes têm relação direta com qualidade acadêmica?

Naturalmente, pois as melhores e mais competitivas patentes que temos são dos grupos de pesquisa mais sólidos. Para avaliar o potencial das patentes como instrumento acadêmico, basta dizer que, no quadro geral de inventores da UFMG, entre o grupo de alunos, 51% são de doutorado, 24% de iniciação científica e 25% de mestrado. Temos a responsabilidade de formá-los, prepará-los e torná-los capazes de encarar os desafios do mercado de trabalho e de lidar com a economia do conhecimento.