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Nº 1688 - Ano 36
29.3.2010

opiniao

DFMG

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Explico a sigla: Diversidade Federal de Minas Gerais. Essa grandeza se manifestou na UFMG, durante a Semana Marciana do Estudante, promovida pela Diretoria para Assuntos Estudantis (DAE), entre os dias 15 e 19 de março. Diferentemente da arte marcial da brutalidade executada nos bárbaros trotes, deu-se o exemplo de como os estudantes devem ser recebidos na UFMG: com a arte marciana da poeticidade expressa em um bom mote. “Pessoas de todos os universos” foi a chamada daquele Grande Encontro. Lema bem bolado para mostrar o quanto é errado ficar cada um no seu quadrado.

A universidade do debate e da inclusão comunitária deve prevalecer sobre a universidade do combate, da seleção social. Deve-se estimular a fundamentação argumentativa de pessoas fora de série e inibir a formação reificadora de pessoas em série. É a diversidade que funda a universidade como o centro formador e debatedor de teorias e práticas lúcidas e lúdicas a serviço do bem-estar público.

Naquele momento, as diferenças ocuparam de forma igual o mesmo lugar no espaço universitário, tendo em vista a melhor convivência. A UFMG saiu dos trilhos apolíneos do “mundo sistêmico”, das cerimônias ocas, do modelo-padrão, instrumentalizado, vazio e miúdo, para embarcar no vagão de um ritual festivo de boas-vindas aos estudantes, no qual foi celebrada a alegria dionisíaca de uma comunidade empenhada em valorizar o desvio-padrão criativo e as grandezas do “mundo vivido”.

Foi mágico acompanhar a transformação da Praça de Serviços em “Praça da Música”, com o maravilhoso show Entre...Linhas..., que reuniu Maria Bragança (saxofone), Djalma Corrêa (percussão), Sérgio Rabelo (contrabaixo e cello) e Max Robson (bateria). Tivemos naquela oportunidade a brilhante interpretação da antológica música de Villa Lobos, O trenzinho do caipira. Inesquecível a performance de Djalma Corrêa, que materializou divinamente o trem e o seu som, fazendo uso de um reco-reco de mola com um apito nele acoplado.

Além da beleza musical, a poesia também apimentou o ambiente universitário, ao transformar os postes de iluminação pública da avenida Reitor Mendes Pimentel em hastes de luminosidade íntima. Fazendo parte da Semana Marciana do Estudante, estiveram expostos no mencionado espaço, de maneira discreta mas também brilhante, os banners que reuniram os seis exemplares do Barkaça. Esta publicação poética é editada em Divinópolis (MG), desde outubro de 2007, e conta com uma legião de colaboradores. O sétimo exemplar do Barkaça foi lançado na UFMG e distribuído gratuitamente ao público.

Ao viajar nessa embarkação, fui alertado ecologicamente pelo poeta diOli, em Canção: Exila-se um rio!, para a vergonhosa poluição que contamina nossas águas. O Brasil deixou de ser bonito por natureza, conforme salientou Gonçalves Dias, na clássica Canção do exílio, para se tornar um país feio por malvadeza decorrente do desenvolvimento insustentável: “Minha terra tem um rio/Onde muita bosta bóia/As águas dele mal cheiram/Mau cheiro igual não há”. O absurdo daquela situação fétida leva o poeta a recomendar sarcasticamente um veneno remédio, uma espécie de “choque de consciência geral” diante da inadmissível pasmaceira das autoridades públicas frente ao apodrecimento da nossa grandiosidade e beleza hídricas: “Não permita Deus que eu morra,/Sem ver político cair lá,/Desfrutando dos odores,/Que ignora ter por cá;/Minha terra tem um rio,/Só para político boiar”.

Em Barkaça, ainda é possível ler interessantes textos poéticos de cunho político-econômico. Diante da derrocada do socialismo real e da supremacia do capitalismo unilateral, o poeta Mingau esquenta o debate com versos de alta voltagem provocativa: “Propriedade privada:/Que utopia/Vai dar a descarga?”. O mesmo autor destaca também o engarrafamento moral presente no pensamento economicista que prejudica o direito público de ir e vir: “Mãos ao alto!/Tem pedágio/No asfalto”. Na parte visual do Barkaça, é impactante a foto de um cavalo em cujo corpo foram desenhados os dizeres: “Vende-se”. Tal imagem remete à marcação a ferro e fogo sofrida pelos animais e pelas pessoas e imposta por aqueles que queriam registrar e defender a sua propriedade voltada para os negócios. Tal prática nos leva à conclusão de que o código de brasa é o pai do código de barra. Gustavo Footloose faz aparentemente um aconselhamento econômico para revelar nas entrelinhas o desequilíbrio mercadológico, por este se voltar para o regime do “perde-ganha”, o que nos permite pensar que na noção de lucro encontra-se contemplada a questão do prejuízo e não a do juízo: “Quanto ao lucro,/soca tudo/na poupança”. Giovani Baffo utilizou luvas de pelica para denunciar a concentração econômica conjugada com a marginalização social que vitimiza as nossas crianças: “Em casa de menino de rua/o último a deitar apaga a lua”.

O Barkaça traz aprendizados afetivos importantes. Cândido Rolim expõe a expansividade sentimental necessária à humanidade que deseja pôr em prática o primeiro mandamento divino, ao amar, com a mesma dinâmica, familiares e estranhos: “amai o próximo/como assim mesmo/amai o próximo/como assim/a esmo”. Gerson Ney França, a partir da divisão de uma palavra, “Indivi-dualidade”, conseguiu demonstrar que caminhar a dois só é possível se as diferenças pessoais forem acolhidas e respeitadas um pelo outro. Por sua vez, Juvenal Bernardes destaca a nossa capacidade inesgotável de amar, mesmo diante das frustrações: “o primeiro amor passou/o segundo amor passou/o terceiro o quarto o quinto/meu coração é uma porta giratória”.

Desejo que a experiência harmoniosa e artística da Semana Marciana do Estudante contagie o nosso ambiente acadêmico de tal forma que a UFMG seja reconhecida pelo público como a universidade da delicadeza e da pluralidade.

* Jornalista formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG

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