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Nº 1695 - Ano 36
17.5.2010

opiniao

O novo vestibular e
a universidade que queremos

Lucas Cunha*

Chegando à UFMG na última semana de abril me dei conta de que o público predominante que frequentava o campus Pampulha não era de alunos da UFMG, mas de estudantes de ensino médio que participavam da Mostra das Profissões 2010, ou seja, de possíveis futuros estudantes da UFMG. Por um instante me questionei se eu mesmo teria de estar lá para uma sessão da disciplina que faço nas tardes de quinta-feira. Esclarecida minha dúvida, e eu de fato deveria estar lá para a minha disciplina, surgiu-me outra, que gostaria de compartilhar neste BOLETIM. Os estudantes que ali estavam, tendo a oportunidade de conhecer a nossa Universidade, teriam a compreensão de como as mudanças nos critérios de ingresso na UFMG poderiam afetá-los? E mais: teriam eles e nós da comunidade acadêmica o entendimento do que esperamos dos estudantes?

O Conselho Universitário da UFMG aprovou, no último dia 5, a utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em substituição à primeira etapa do nosso vestibular. Um estudante que prestará o próximo Vestibular talvez possa compreender tal mudança como uma incerteza a mais neste momento de alta cobrança e apreensão. No entanto, o que está ocorrendo é um processo de nacionalização do sistema universitário no Brasil, sendo o Enem o mecanismo que habilitará os estudantes para o ingresso nas universidades. Ainda que esse modelo não esteja devidamente decantado para termos a real dimensão de seus efeitos, é possível especular como essa direção de mudança poderá modificar o perfil das universidades no Brasil.

Imaginemos a possibilidade de um estudante de Minas Gerais fazer uma avaliação em sua cidade e se habilitar para algumas universidades no Brasil a sua escolha. Conforme a pontuação alcançada, esse candidato seria classificado para determinados cursos de graduação em algumas universidades. Esse sistema, além de nacionalizar os processos seletivos para universidades no país, daria opção aos candidatos de ingressar em uma universidade pública em outra região, mesmo se não atingir a pontuação para um curso ou para uma universidade por ele preferida, ou como é muito comum dentro de seu estado.

Essa possibilidade acabaria com o chamado “efeito carnaval” do vestibular, em que, se não for aprovado naquele ano, o candidato tem que esperar até o ano seguinte para novamente prestar o concurso. Diz-se por aí que “vestibular é como carnaval, todo ano tem” – obviamente para aqueles que não foram aprovados. Se esse novo sistema se viabilizar, teríamos um modelo próximo ao de outros países, nos quais o candidato faz um exame e, conforme sua pontuação, entra no critério de alguns cursos e universidades à sua escolha.

Tais mudanças na forma de ingresso põem a UFMG, juntamente com outras importantes universidades do país, em uma espécie de sistema nacional de vestibular, tendo o Enem como referência principal. No entanto, há de se preocupar com as habilidades, competências e conteúdos priorizados pelo Exame. Nesse sentido, seria fundamental que a UFMG não somente tivesse a clareza das correspondências – e das possíveis não correspondências do Enem em relação à primeira etapa do seu vestibular –, mas também do conjunto de conhecimentos, habilidades e competências que espera dos seus graduandos.

O tipo de exame que habilita os candidatos a uma vaga na universidade não é, logicamente, uma mágica que seleciona tudo aquilo que a instituição demanda dos estudantes. É a formação dentro da universidade que define a trajetória acadêmica, profissional e pessoal dos indivíduos. É aqui nesse ambiente que também ocorrerá a conformação dos modos de pensar e agir na vida. Aprende-se não somente uma profissão, mas também uma maneira de ser e estar no mundo.

A vida da universidade também permite o estabelecimento de relações sociais que propiciarão, eventualmente, a inserção no mundo do trabalho e outras implicações importantes na vida dos estudantes (amizade, trabalho, cooperação, ética profissional e tolerância). Para isso, é preciso também que haja aqui uma estrutura física que viabilize a aprendizagem e o desenvolvimento da pesquisa, do ensino e da extensão. A empreitada científica é, como sabemos, coletiva. Isso exige espaços para a divulgação de trabalhos e compartilhamento de ideias, de forma que os resultados das nossas atividades sejam relevantes do ponto de vista público, interdisciplinarmente apreensíveis e compatíveis com uma postura ética. Obviamente, tais palavras viram fumaça quando as condições efetivas de organização, financiamento e respeito na instituição não são garantidas.

Esses elementos definem a qualidade da universidade, as condições de construção do conhecimento e o perfil dos estudantes, esta uma preocupação que a comunidade acadêmica deve sempre prezar. Se a capacidade de resolução de problemas do mundo, vontade de aprender, espírito crítico e ética são princípios desejáveis para a formação de um estudante, é preciso saber se eles estão devidamente contemplados na origem do percurso acadêmico, ou seja, no exame que habilita o ingresso no ensino superior.

*Mestrando em Ciência Política da UFMG

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