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Nº 1700 - Ano 36
21.6.2010


Nem vilão, nem herói

Estudo mostra que uso do andador não auxilia, mas também não compromete o desenvolvimento motor do bebê

Igor Lage

Foca Lisboa
Luiz Megale e Marisa Mancini
Luiz Megale e Marisa Mancini: ideia negativa sobre o andador era puro “achismo”

Usar ou não o andador? Essa é uma das dúvidas que afligem os pais no momento em que os filhos se preparam para dar os primeiros passos. Muitos recorrem ao equipamento por acreditarem que ele estimula o desenvolvimento da criança, além de ser uma espécie de “brinquedo” com o qual o bebê pode se divertir. Por outro lado, boa parte dos médicos é contra o andador (também conhecido como voador em algumas regiões), pois avaliam que pode provocar uma dissociação entre o equilíbrio e a marcha, o que retardaria o desenvolvimento de coordenação motora das pernas da criança.

Contradizendo pediatras e pais, estudo do programa de pós-graduação em Ciências da Reabilitação da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG mostra que o andador não traz benefícios nem prejuízos para o bebê. “Sempre achei que o uso do andador era negativo para a criança, mas, quando fui procurar evidências, nada encontrei”, conta a fisioterapeuta Paula Silva de Carvalho Chagas, professora da Faculdade de Fisioterapia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisadora decidiu, então, testar esse pressuposto clínico, comparando o processo de aquisição da marcha entre bebês de oito a nove meses que usavam e que não usavam o andador. O resultado desse trabalho está contido na tese Efeitos do uso do andador infantil na aquisição da marcha em lactentes com desenvolvimento normal, defendida em abril deste ano.

Segundo Paula Chagas, a coleta de dados teve início no primeiro semestre de 2008, quando os convites que solicitavam a participação de bebês na pesquisa começaram a ser encaminhados aos pais. Foram chamadas 40 crianças, que se dividiram em dois grupos: metade usava o andador e a outra não usava. Trinta e duas colaboraram até o final, 16 em cada grupo. “Nenhuma das famílias foi incentivada a adotar ou não o andador. Essa decisão foi tomada pelos pais antes do nosso convite”, ressalta Paula.

Os resultados dos testes mostram que não houve diferenças significativas no processo de aquisição da marcha dos dois grupos. “Todos os bebês apresentaramdesenvolvimento normal, aprendendo os movimentos corretamente em um tempo adequado”, afirma Paula Chagas. A orientadora do projeto, professora Marisa Mancini, do Departamento de Terapia Ocupacional da EEFFTO, explica que foram realizados três estudos para chegar a essa conclusão. O primeiro deles avaliava a marcha da criança, principalmente os ângulos de suas articulações durante o movimento. Para essa análise, foram colocados, na região do quadril até o pé, marcadores que digitalizavam o caminhar do bebê. O segundo era um teste em rampa inclinada, que avaliava a capacidade da criança de lidar com os desafios do meio, e o terceiro, uma entrevista com os pais, investigava os motivos que os levavam a adotar ou não o andador.

Nos dois primeiros estudos, não foram observadas diferenças entre os dois grupos. “Somente as opiniões dos pais se mostraram divergentes, já que uns defendiam o andador e outros não”, revela Marisa Mancini. Para o professor Luiz Megale, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e um dos principais colaboradores do projeto, os resultados podem mudar a opinião dos médicos sobre os andadores. “Aquela ideia negativa sobre o andador era, na verdade, puro achismo. Com a pesquisa, poderemos fornecer informações concretas, baseadas em estudos científicos”, afirma o pediatra.

Pais e filhos

O contato com os pais ocorria por telefone toda semana, enquanto as visitas aos laboratórios de pesquisa e os testes eram realizados uma vez a cada mês, depois do início da marcha independente. Os pais que optaram pelo andador deixavam a criança usar o aparelho por aproximadamente uma hora por dia, sempre sob sua observação. “Uma das principais restrições ao andador dizia respeito ao alto número de acidentes que ele pode provocar, mas percebemos que isso é consequência da negligência dos pais. Independentemente do uso do andador, eles devem estar sempre atentos aos filhos nessa fase de exploração e descobertas”, afirma Marisa Mancini.

Paula Chagas conta que, para os pais, os resultados da pesquisa ajudaram a eliminar uma grande dúvida. “Agora, eles se sentem mais seguros para escolher usar ou não o andador, assim como nós, profissionais, nos sentimos mais confiantes para recomendá-lo ou não.”

Tese: Efeitos do uso do andador infantil na aquisição da marcha em lactentes com desenvolvimento normal
Autora: Paula Silva de Carvalho Chagas
Orientadora: Marisa Cotta Mancini, do Departamento de Terapia Ocupacional da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO)
Defesa em abril de 2010
Programa de pós-graduação em Ciências da Reabilitação da EEFFTO