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Nº 1700 - Ano 36
21.6.2010

Tons e cenas

Pesquisa na Belas-Artes analisa trajetórias similares do teatro dramático e da música tonal

Itamar Rigueira Jr.

Diderot e Beethoven: expoentes da música tonal e do teatro dramático

As unidades de tempo-espaço-ação na dramaturgia clássica, e sobretudo a forma como elas foram contestadas pelos realizadores teatrais do modernismo, sempre estiveram no centro dos interesses de Ernesto Valença, professor do Teatro Universitário. Assim como as relações entre teatro e música, que ele pretende explorar em pesquisa de doutorado. Para entender melhor essas relações, Ernesto analisou, em seu trabalho de mestrado na Escola de Belas-Artes, aspectos paralelos das trajetórias do teatro dramático e da música tonal, principalmente no século 18 e início do século 19.

Segundo Valença, a ação teatral, definida desde a Antiguidade por Aristóteles, e a direcionalidade musical são estruturas de organização das linguagens das duas artes. Isso quer dizer que elas promovem a transformação de um material apresentado inicialmente a partir de elementos intrínsecos a esse mesmo material. E, basicamente, o drama parte de uma situação inicial, contraposta por outra, antes que se chegue a um desfecho. Na música tonal, o caminho é marcado por acordes dissonantes, que “jogam a música para frente e a colocam em tensão, que é resolvida por uma consonância”.

O trabalho de Ernesto Valença, que se valeu primordialmente de pesquisa bibliográfica, buscou “identificar as características que ação e direcionalidade musical assumiram de forma específica no drama e no sistema tonal, respectivamente”, uma vez que nessas formas “tais elementos atingiram o ápice em termos de formulações teóricas e experiências práticas”, segundo seu texto. De acordo com Valença, dois dos maiores representantes do teatro dramático são os franceses Denis Diderot e Jean Racine, e o ápice da música tonal é personalizado por Ludwig van Beethoven – W.A. Mozart e F.J. Haydn são outros nomes importantes.

Olhares cruzados

A pesquisa de mestrado de Ernesto Valença vai contribuir de forma significativa para os estudos teatrais e musicais, acredita o orientador do trabalho, professor Ernani Maletta. “Em primeiro lugar, porque ainda é bastante escassa a literatura acerca do diálogo entre teatro e música. Mais ainda, porque a proposta de traçar paralelo entre o pensamento teatral e musical permite que um possa ser observado pelo olhar do outro”, afirma Maletta. “Isso é especialmente importante para o artista cênico, que deve se apropriar do discurso musical como uma das vozes integrantes da polifonia cênica.”

Ernesto Valença destaca que música e teatro realizaram o “mesmo arco histórico”, caracterizado pela consolidação de estruturas muito bem marcadas, passando por fase de desgaste e alargamento de fronteiras, até a tentativa de explosão dessas estruturas. “A partir da virada do século 20, as duas artes passam a criar de maneira que não dependem mais de estruturas formais prévias, contestando as regras do drama e do sistema tonal”, explica o pesquisador, que se graduou pela USP.

Ele ressalta ainda que, embora entenda que nessa passagem estejam “os elementos intigantes para a prática do teatro de nosso tempo, instaurando novas percepções de temporalidade, espacialidade e sequência de acontecimento”, não considera que as estruturas fechadas do drama e do sistema tonal tenham resultado necessariamente em obras pouco criativas ou de poucos recursos. Como escreve Valença em seu capítulo de conclusão do trabalho, parte da produção mais inventiva e complexa nas duas artes se deu sob os parâmetros do drama e do tonalismo. “Isso é mais evidente na música que no teatro. Composições de Mozart, Haydn e Beethoven ainda figuram entre as mais executadas e reconhecidas em nossos dias, enquanto os dramas mais tradicionais encontram hoje poucas oportunidades de montagem. A dramaturgia dramática que sobrevive é aquela que incorpora a crise do drama, como em Ibsen, Strindberg ou Tchekhov”, discorre Ernesto Valença.

Dissertação: Paralelos entre ação teatral e direcionalidade musical
Autor: Ernesto Valença
Orientador: Ernani Maletta, do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas-Artes (EBA)
Defesa em 19 de março
Programa de pós-graduação em Artes da EBA