Busca no site da UFMG

Nº 1736 - Ano 37
02.05.2011

MÚSICA para CRESCER saudável

Educação musical estimula desenvolvimento de bebês nascidos prematuramente

Ana Rita Araújo

É dessa forma que a Organização Mundial de Saúde (OMS) designa os bebês nascidos vivos entre as 37 e as 41 semanas e seis dias de gestação (entre 259 e 293 dias).

Cercados pelo cuidado de equipe multiprofissional de saúde, os pacientes do Ambulatório da Criança de Risco (Acriar) do Hospital das Clínicas (HC) contam, desde maio do ano passado, com um estímulo a mais para superar os efeitos da prematuridade: a música. Pesquisa da professora Maria Betânia Parizzi investiga se os sons musicais podem acelerar o desenvolvimento de bebês nascidos muito cedo, e os resultados iniciais levaram à criação do projeto de extensão Música para a Saúde do Bebê, no Centro de Musicalização Infantil (CMI) da Escola de Música, no campus Pampulha.

“É um desdobramento da pesquisa e oferece a crianças de baixa renda a possibilidade de continuarem seu processo de desenvolvimento por meio da música”, explica Betânia, que também coordena o CMI. Ao mesmo tempo, a pesquisa tem continuidade no Ambulatório Acriar do HC, com previsão para trabalhar com, no mínimo, 52 bebês. Até o momento, 18 pacientes participaram da iniciativa.

Resultados preliminares, avaliados por três jurados, confirmam as expectativas da pesquisadora. O rápido desenvolvimento e a boa coordenação motora dos bebês são ganhos apontados pelas mães. “Não tenho dúvidas de que esse trabalho ajudou muito minha filha. Agora, com um ano e cinco meses, seu desenvolvimento é normal”, relata Gilmara Gonçalves, mãe de Maria Vitória, que nasceu com 900 gramas, aos seis meses de gestação.

Betânia Parizzi explica que o trabalho é inédito no país, “não apenas pela natureza do estudo, mas também por seu alcance transdisciplinar e utilidade prática, tanto no âmbito da música como no das ciências da saúde”. Ela acredita que os conhecimentos gerados pelo projeto de extensão e pela pesquisa têm aplicação imediata em disciplinas dos cursos de Licenciatura em Música e Musicoterapia e, provavelmente, em cursos na área de saúde.

Ouve o rosto e vê a voz

Pela natureza das técnicas utilizadas, o trabalho não tem conotações terapêuticas. “A abordagem é pedagógica e visa estimular o desenvolvimento normal da criança na época em que a plasticidade cerebral é máxima”, explica a professora, ao destacar que a iniciativa não tem o caráter de reabilitação, nem parte de um déficit anatômico ou funcional da criança. Ela lembra que a promoção da saúde é uma linha ideológica recente que procura deslocar o olhar da doença para a saúde. Assim, a ênfase está nas possibilidades de desenvolvimento e prazer, e não nas patologias.

Tanto no Acriar quanto no CMI, as sessões de música seguem prática determinada pelas professoras Betânia Parizzi e Aline Carneiro. As crianças são estimuladas mediante interação vocal, corporal e instrumental, o que lhes propicia experiências auditivas e visiomotoras. Tal abordagem metodológica foi idealizada por ambas no final da década de 1990, no Núcleo Villa-Lobos de Educação Musical, com bebês nascidos a termo. Um dos principais fundamentos do trabalho é a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, de Jean Piaget. Ao partir do pressuposto de que o bebê “ouve o rosto e vê a voz”, as professoras oferecem a ele “quadros sonoros”, sob a forma de performances instrumentais e vocais.

Betânia Parizzi explica que nesse momento é fundamental que o bebê visualize o rosto e os gestos da professora, os quais devem ser extremamente expressivos, pois o recém-nascido tem percepção visiossonora. “Ele é muito estimulado com ações interativas ‘ao vivo’, diferentemente da música gravada, muito menos eficaz”, esclarece. A professora também estimula os bebês ao imitar e modificar seus balbucios, com variações de timbre, altura e intensidade. Tambores, chocalhos, guizos, carrilhões e instrumentos musicais tradicionais são oferecidos, como “provocações sonoras” que levarão à formação de memórias dos parâmetros do som e da relação som-silêncio.

Ela destaca que “os bebês estão muito mais prontos para aprender do que se costumava pensar” e assegura que, antes mesmo dos três meses, eles já se mostram capazes de desenvolver “protoconversas expressivas” com seus pais ou cuidadores, por meio de gestos e vocalizações, “o que reflete predisposição da criança em compartilhar impulsos, interesses, ações e significados com o adulto”.

Além disso, lembra a pesquisadora, tem sido amplamente estudada a maneira como a música pode provocar mudanças no sistema nervoso. Segundo ela, quando o bebê produz movimentos espontâneos e emite sons vocais na tentativa de interagir com seu ambiente, “vai construindo novas memórias perceptuais”. Desse modo, movimentar o corpo e utilizar a voz representam o uso de uma linguagem. “A música é uma linguagem perceptual, cuja estrutura intrínseca transmite, transporta e veicula significados inefáveis. Provavelmente por esta razão tem sido tão utilizada para auxiliar na recuperação de bebês internados em unidades neonatais”, pondera Betânia Parizzi.

Evolução

Maria Vitória Moreira Gonçalves, Ana Pinheiro Gomes e Júlia Emanuella Avelar Fidêncio têm cerca de um ano e meio e frequentam, uma vez por semana, as aulas do CMI. Elas nasceram com menos de um quilograma, no quinto ou sexto mês de gestação. Foram acolhidas no Acriar e depois que completaram três meses – idade corrigida, isto é, quando atingiram o desenvolvimento normal de uma criança dessa idade nascida a termo – passaram a receber aulas de música no ambulatório do HC. “Esses bebês integravam o grupo experimental da pesquisa no Acriar e sua participação durou cerca de oito meses. Agora, no CMI, elas fazem parte do projeto Música para a Saúde do Bebê”, conta Betânia Parizzi, ao acrescentar que a pesquisa possui também um grupo-controle, composto por crianças que não participam das aulas de música. “A diferença de desenvolvimento entre os integrantes dos dois grupos é evidente, apesar de os resultados serem muito preliminares”, afirma. “As aulas têm ajudado muito. Minha filha está se desenvolvendo bem mais rápido do que outros bebês prematuros. É bastante comunicativa e sociável”, testemunha Aldete Adriana Pinheiro, mãe de Ana Pinheiro.

Comunicativas e com boa coordenação motora, as três meninas já se mostram à vontade com a professora Andreia Polignano Mendonça, aluna do curso de Musicoterapia. Agitam chocalhos, manuseiam pandeiros e brinquedos coloridos, oferecidos ao som de músicas que provocam movimentos rítmicos, sorrisos e, segundo pais e especialistas, um desenvolvimento saudável e feliz. Betânia Parizzi assegura que a promoção da saúde não se restringe aos bebês, mas também a suas famílias, uma vez que o vínculo mãe-filho é extremamente estimulado e valorizado durante as aulas de música.

Parizzi também destaca a importância do projeto na inserção de alunos dos cursos noturnos de Licenciatura e de Musicoterapia da Escola de Música em uma área nova, praticamente inédita no cenário educacional brasileiro – a promoção da saúde. “Ele representa um diferencial em relação à sua visão de mundo e terá implicação direta em sua inserção no mercado de trabalho”, assegura. Além de Andréia Polignano Mendonça, participam da pesquisa Gleisson do Carmo Oliveira e Vanilce Rezende de Morais, também alunos do curso de Licenciatura.

Tratamento precoce

Serviço criado em 1988, o Ambulatório da Criança de Risco (Acriar) acompanha, até os sete anos de idade, crianças nascidas prematuras – com idade gestacional inferior ou igual a 34 semanas e/ou peso inferior ou igual a 1.500 gramas.
Coordenado pela doutora Maria Cândida Ferrarez Bouzada Viana, o Ambulatório tem equipe multidisciplinar que detecta e trata precocemente desvios de desenvolvimento e atraso no crescimento. Desde 1996, o Acriar desenvolve estudos sobre a prematuridade e seu impacto na vida das crianças, com suporte financeiro do CNPq.



Iniciação musical

Criado em 1985, o Centro de Musicalização Infantil oferece aulas de música para bebês – a partir dos seis meses de idade –, crianças e adolescentes. Atualmente possui cursos de musicalização, instrumento em grupo, coral e orquestra gratuitos, além dos projetos Música na Escola Regular, Música para Todos e Música para a Saúde do Bebê. O corpo docente é formado por 38 professores, entre estagiários e bolsistas, coordenados por professores da Escola de Música. Cerca de 600 pessoas, entre adultos e crianças, frequentam o CMI semanalmente.