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Nº 1746 - Ano 37
29.8.2011

Na CADÊNCIA de Hitchcock

Dissertação analisa influência da narrativa cinematográfica sobre os jogos digitais

Marcos Fernandes

Dois gêneros aparentemente distintos foram postos em diálogo em dissertação defendida recentemente na Escola de Belas-Artes. O jogo digital: a linguagem computacional a linguagem cinematográfica na criação e construção dos jogos, de Marcos Penna Coutinho, propõe a análise das influências do cinema clássico na construção de jogos digitais.

A ideia surgiu quando, em 2006, após vencer concurso realizado pela Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (Abragames), na categoria Demo Jogável, Coutinho produziu o protótipo Trem de Doido, baseado na história dos sanatórios de Barbacena do século passado (leia mais nesta página). Com formação em Cinema de Animação, o mestrando lançou mão de ferramentas típicas da sétima arte no desenvolvimento do jogo, como o formato da estrutura narrativa ou o posicionamento de câmeras.

Coutinho afirma que a presença do cinema em plataformas de games é mais frequente do que as pessoas imaginam. “Boa parte das narrativas de jogos contém essa influência cinematográfica”, diz. E a marca que mais interfere na produção dos jogos é a linearidade dos filmes clássicos, como os do diretor Alfred Hitchcock, alvo de seu estudo. “Ainda que de maneiras diferentes, o cinema vai sempre seguir um fluxo linear”, explica.

A escolha pelo diretor londrino, considerado mestre do suspense, além de motivos pessoais óbvios – Marcos Coutinho é aficionado pela obra de Hitchcock –, justifica-se pela familiaridade de estilo entre o Trem de Doido e os filmes do cineasta. “O jogo também trabalha o suspense; além disso, Hitchcock sempre dirigiu da forma clássica”, argumenta. Para elucidar a estrutura linear do diretor, Coutinho traçou um mapa de seu método, que começa com uma apresentação e identificação com o herói, passa pelo objetivo do personagem, segue para a técnica MacGuffin (o truque de dar ênfase a um objeto que não tem relevância na história), promove dois momentos de surpresa e, por fim, a conclusão.

Para não ficarem tão lineares, alguns jogos têm se valido da narrativa em teia, espécie de plataforma em que não se deve obedecer a um ritmo contínuo e que permite conduzir o personagem para qualquer direção. “A narrativa em teia é um mundo aberto, que oferece liberdade de ir em todas as direções, não somente para frente”, conta.

Um dos primeiros jogos digitais, o chamado Space War – em que uma nave deve destruir asteroides para não ser consumida por eles –, foi desenvolvido para o cinema em 1961. “A intenção era fazer do computador uma ferramenta para a sétima arte, mas não havia capacidade na época. Então, o foco recaiu nos jogos”, explica. Limitados, os primeiros modelos ofereciam uma ação isolada de roteiro – somente na década de 70 é que uma narrativa, tomando como base o cinema, começou a surgir no mundo virtual.

Entre a experiência e a simulação

Parte da pesquisa de Coutinho baseou-se em comparações sobre as formas como o jogo atua no jogador e o cinema no espectador. Apoiado nas ideias dos teóricos da comunicação Walter Benjamin e Edgar Morin, o mestrando explica que, em relação a filmes, a interatividade dá lugar à simples observação. O contrário ocorre no jogo. “No cinema, temos apenas uma emoção visceral. Quando jogamos, participamos fisicamente, há um controle”, diz.

Os jogos digitais, entretanto, não foram os primeiros a tentar estabelecer contato com os participantes de um evento. “A experiência sensorial já existia na arte contemporânea, mas o computador aprofundou isso com uma resposta imediata”, ele revela. A diferença primordial está em encarar a máquina como um instrumento ao qual ainda não se tinha acesso. “A ideia é vê-la como um dispositivo.”

Locomotiva da loucura

Nas décadas de 1920 e 1930, uma locomotiva conduzia “loucos”, vindos de todas as partes do Brasil, para os sanatórios de Barbacena, em Minas Gerais. Era chamada de “trem de doido”. Seus ocupantes tinham perfis diversificados, todos com algum desajuste social, mas não necessariamente doentes: assassinos, loucos, alcoólatras, inimigos políticos.

“Na época, o médico detinha muito poder. Uma vez que recebia o laudo de loucura, o paciente não podia recorrer”, explica Coutinho. Caracterizadas por péssimas condições de funcionamento, essas instituições foram comparadas, posteriormente, a campos de concentração.

É nesse clima de terror que se passa o jogo desenvolvido por Marcos Penna Coutinho. “A história tem início quando um dos loucos chega ao hospício e, com o passar do tempo, vai desvendando a trama da venda de corpos”, diz o pesquisador, referindo-se à descoberta, no final da década de 1970, de um comércio de cadáveres entre os sanatórios e as universidades, que precisavam dos corpos para desenvolver pesquisas.

Dissertação: O jogo digital: a linguagem computacional e a linguagem cinemato-gráfica na criação e construção dos jogos
Orientador: Chico Marinho
Autor: Marcos Penna Coutinho
Programa: Programa de pós-graduação na linha de pesquisa Criação e Crítica da Imagem em Movimento
Defesa: 13 de julho